sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

 


                 
TRABALHO DE CONCLUSÃO

 

 

VIII CURSO CANNABIS MEDICINAL

 

UNIFESP

 

 

 

Panorama Técnico Regulatório da Cannabis Medicinal no Brasil

 

Jair Calixto                                jair@bpfarma.com.br

 

1-     Introdução

O uso de derivados da maconha (Cannabis sativa L. e Cannabis indica) tem se acentuado no mundo todo e no Brasil. Diversas enfermidades estão sendo tratadas com CBD - Canabidiol (principalmente) e THC - Tetrahidrocanabinol. Em diversos países já existem produtos fora do âmbito farmacêutico, criando um cenário bastante promissor. Por outro lado, ainda que o uso humano de produtos destas plantas, que está se tornando conhecida como Cannabis, esteja liberado no Brasil, percebe-se um desconhecimento por parte da sociedade em geral, incluindo classe médica e outros profissionais da saúde.

Este artigo traz um resumo contendo diversas informações sobre o uso, comercialização, produção e qualidade, assim como as normas que regulam o assunto e os Projetos de Lei que buscam liberar plantio e extração.

 

2-     Histórico

Conforme relata o mundialmente respeitado cientista e professor, o Professor e Dr. Elisaldo Carlini, de uma certa maneira, a história do Brasil está intimamente ligada à planta Cannabis sativa L., desde a chegada das primeiras caravelas portuguesas em 1500. Não só as velas, mas também o cordame daquelas frágeis embarcações, eram feitas de fibra de cânhamo, como também é chamada a planta. Aliás, a palavra maconha em português seria um anagrama da palavra cânhamo¹.

A planta era utilizada na medicina, nas boticas para fabricação de xaropes, *pílulas para dor e para dormir, passando pela indústria automobilística, já que FORD desenvolvia combustíveis a base do óleo de Cannabis. Gutemberg imprimiu as primeiras 135 bíblias em papel de cânhamo, além do uso no setor têxtil, em Pesquisa Clínica e em medicamentos patenteados14, 15.

Já era cultivado havia séculos pelo mundo, dominava a indústria de tecidos, enquanto quase toda indústria do papel também estava baseada nessa matéria-prima. A planta também era usada como fumo pelos negros, imigrantes e incômodos intelectuais boêmios na Europa. Nos Estados Unidos, era utilizada pelas classes menos privilegiadas e vistas com antipatia pela classe média branca, como os imigrantes mexicanos.


As mudanças proibitivas até parecem uma notícia atual. Mas foi iniciada com a Lei Seca nos Estados Unidos, entre 1929/1930. O recém-criado Comitê de Proibição, espalhava que o aumento da criminalidade estava atrelado ao aumento do uso da Cannabis, mas a verdade revelada por historiadores é que a crise de 1929 – recessão mundial, aumentou a criminalidade naquele período.

                *Pílulas: São formas farmacêuticas muito antigas, hoje pouco produzidas industrialmente.                                                        Foram substituídas  gradativamente pelos comprimidos.

A divulgação de reportagens sem fundamento científico sobre a planta, pelo lobby da indústria do petróleo, de tecidos sintéticos e papel concretizaram a criminalização da Cannabis, em 1930, naquele país. 

Diplomatas americanos articularam internacionalmente e, influenciando a Liga das Nações Unidas e a ONU, conseguiram a proibição mundial da Cannabis na Convenção de 1961, incluindo o CBD e o THC nas listas de controle internacional.

Passados mais de 59 anos, o Comitê Experts em Dependência de Drogas da Organização Mundial de Saúde, por 6 anos estudou os reais impactos do Canabidiol e recomendou sua exclusão da Lista de Controle. Em dezembro de 2020, a Comissão de Drogas Narcóticas (CDN) da Organização das Nações Unidas (ONU) reclassificou a cannabis, retirando a planta e a resina extraída dela do anexo IV da Convenção sobre Drogas de 1961, reservado aos entorpecentes mais perigosos. Isso significa, que a cannabis deixou de estar, aos olhos da ONU, no grupo onde estão substâncias como a morfina, um opioide amplamente utilizado em medicamentos²  

Com certeza, ainda é preciso buscar uma classificação mais adequada para a cannabis, visto que a própria morfina é muito mais perigosa do que os derivados da planta.

A ONU é responsável apenas por recomendações. As legislações seguem a cargo de cada país. Contudo, a mudança é um reconhecimento, após décadas de estudos científicos em torno do uso medicinal da cannabis, e deve ser um impulsionador para, cada vez mais, nações deixarem de criminalizar sua aplicação terapêutica. Deve, também, ser um elemento importante para o desenvolvimento de ainda mais pesquisas.

É interessante observar o posicionamento de especialistas no mercado de cannabis, como Robert Hoban, fundador e presidente do Hoban Law Group (HLG), consultoria jurídica norte-americana especializada em negócios de cannabis. Hoban, em artigo publicado   na edição norte-americana da Revista Forbes, em 3 de dezembro de 2020, ressaltou que para ele, a decisão pode nos fazer avançar globalmente no viés econômico, na segurança dos pacientes e na reforma dos sistemas de justiça, altamente impactados em muitos países pela criminalização da cannabis ao longo das últimas décadas.

Outro fato importante, o esforço para a proibição contou com o uso dos veículos de comunicação e a participação de pessoas influentes e poderosas. Hoje outros homens com poder equivalente traçam estratégias pouco ortodoxas, entretanto a sociedade tem lutado em diferentes meios de comunicação para que o Estado viabilize o uso controlado da Cannabis para uso medicinal.


Fig. 1 – Histórico do uso industrial e medicinal da Cannabis

 

3-     Cenário legislativo do uso de derivados da Cannabis sativa para fins medicinais

No Brasil a primeira lei que proibiu o uso da Cannabis foi em 1830, conhecida como a Lei “pito do Pongo”, aplicava pena mais rígida para o usuário - escravos e negros, e não para os traficantes que eram brancos e de classe média.

Ainda hoje é crime plantar, mesmo que pequenas quantidades e a pena é de advertência, prestação de serviço à Comunidade ou medidas educativas.

Até 1976 todas as outras Leis Brasileiras e até o Código Penal de 1940, mantiveram por cerca de 176 anos a proibição total no Brasil.

Desde a proibição em 1930, foi a Lei 6368/76 que iniciou a abertura para a regulamentação com a seguinte disposição:

Artigo 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Em 2006 foi concretizada a autorização no Parágrafo Único do artigo 2º da Lei 11.343.

Com relação à legislação brasileira e internacional sobre o uso e tráfico de drogas e entorpecentes, em 1988, mesmo ano da publicação da Constituição Federal brasileira, foi publicada a "Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988". Ela estabeleceu medidas abrangentes contra o tráfico ilícito de drogas, incluindo métodos contra a lavagem de dinheiro e o fortalecimento do controle de precursores químicos. Fornece, também, informações para uma cooperação internacional por meio, por exemplo, da extradição de traficantes de drogas, seu transporte e procedimentos de transferência.

A repressão ao uso e comercialização de substâncias entorpecentes se intensificou em 2006 com a vigência da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas), a qual, em seus artigos 1º e 66, enquadra as substâncias constantes do Anexo I da Portaria SVS/MS nº 344/98 como definidoras das "drogas", objeto da proibição pela Lei de 2006, na qual se encontra, inclusive, a cannabis sativa.

Já o parágrafo 1º do artigo 28 desta mesma lei inclui na incidência de crime quem "para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica".

No entanto, o parágrafo único do artigo 2º estabelece uma exceção, consistente:

 Plantio, cultivo e colheita para fins medicinais ou científicos, com a possibilidade da autorização da União nesse sentido.

Isso quer dizer que existe, desde 2006, previsão autorizativa expressa para o cultivo e uso de cannabis sativa para fins medicinais, bem como a garantia do acesso aos tratamentos medicinais. No que se refere ao cultivo, até a presente data não houve uma definição sobre qual autoridade regulatória deverá disponibilizar ato regulatório próprio, se a ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária ou o MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

 

4-     Atos infra legais – Ministério da Saúde - Conselho Federal de Medicina – CFM e ANVISA

O Ministério da Saúde no Brasil iniciou o processo de controle no Executivo, estabelecido pelas legislações vigentes, dando início publicou a Portaria SVS nº 344/199810, aprovando um regulamento técnico sobre substâncias e produtos sujeitos a controle especial. Em seu artigo 2º consta o seguinte:

Artigo 2º — Para extrair, produzir, fabricar, beneficiar, distribuir, transportar, preparar, manipular, fracionar, importar, exportar, transformar, embalar, reembalar, para qualquer fim, as substâncias constantes das listas deste Regulamento Técnico (Anexo I) e de suas atualizações, ou os medicamentos que as contenham, é obrigatória a obtenção de Autorização Especial concedida pela Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

A Portaria SVS/MS nº 344/9810 é que aborda os critérios sobre a prescrição e dispensação de medicamentos sujeitos a controle especial.

Os médicos e farmacêuticos, devem prestar especial atenção aos adendos destas listas, pois os mesmos modificam a forma de prescrição e dispensação de algumas substâncias. Desse modo, em certos casos, uma substância presente em determinada lista poderá ser prescrita em receituário diferente do padrão da lista a qual pertence, conforme previsão do adendo que consta ao final de cada lista.

As listas presentes no Anexo I do referido regulamento, preveem a Cannabis sativum na lista de "plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas", bem como o tetraidrocanabinol (THC) na lista de substâncias proibidas no Brasil.  As disposições das listas foram atualizadas pela  RDC nº 734, de 11 de julho de 2022 – ANVISA, publicada em 13 de julho de 2022 e traz as seguintes determinações.


Tabela 1- Listas atualizadas sobre  controle da Cannabis  - RDC ANVISA nº 734 de 11/072022.

O Conselho Federal de Medicina decidiu dar início à abertura para a Cannabis de uso medicinal no Brasil. Entretanto, essa regulamentação com o passar dos anos, se tornou bastante restritiva, proibindo a aplicação do tratamento em crianças e adolescentes com epilepsias e refratárias aos tratamentos convencionais.

Procurando se alinhar aos avanços propiciados pela ANVISA, para a garantia do acesso, o Conselho Federal de Medicinal, publicou uma Consulta Pública, encerrada em 30.07.2022, para atualizar a Resolução 2.113/14. A expectativa é que essa revisão corrija a limitação da prescrição pelos médicos e garanta o pleno direito da garantia à saúde dos pacientes.

Em virtude da pressão exercida por pacientes e parentes, a ordem judicial a ANVISA promoveu a abertura do uso da Cannabis de uso medicinal, autorizando a importação de produtos à base de Canabidiol em 2015 pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 17/2015.

Além disso, a RDC 335/2020, revogando a RDC 17/2015, trouxe novos critérios e procedimento de importação de produtos à base de Canabidiol, simplificando o processo, com, por exemplo, a redução de documentos e informações que devem ser fornecidos pelo requerente.

Posteriormente, a RDC nº 66 de 2016 incluiu na Portaria SVS 344/1998 permissão excepcional de importação de produtos com CBD ou THC, atendidos os requisitos nela estabelecidos.

Já com a RDC nº 156/2017, a Anvisa incluiu a Cannabis na Denominação Comum Brasileira como planta medicinal.

A crescente demanda pela importação resultou em um grande aumento do tempo de manifestação da Agência, passível de provocar prejuízos à saúde dos pacientes que se utilizam deste mecanismo para continuidade dos seus tratamentos, fez com o texto da RDC 335/20 fosse alterado por meio da RDC nº 570/2021.

Atualmente os critérios para importação de produto de Cannabis para uso individual é RDC 660/2022, que consolidou as disposições da RDC 335/2020 e RDC 570/2021. A venda nas Farmácias foi viabilizada pela RDC 327/2019, tornando possível que empresas nacionais fabriquem, importem produtos acabados e comercializem os produtos à base de cannabis para fins medicinais, mediante concessão de autorização sanitária3.

É importante ressaltar que a aquisição em farmácias só pode ser feita sob prescrição médica, com retenção da receita (azul ou amarela)10.

 

Tabela 2 – Marco regulatório brasileiro sobre cannabis

 

5-     Mercado

Segundo dados da consultoria BDSA, especializada no mercado de Produtos da Cannabis, o mercado legal no ano de 2020, atingiu o valor de US$ 21,3 bilhões, correspondendo a um aumento de quase 50% em relação ao ano de 2019, e deve seguir aumentando à medida que cada vez mais países autorizam o uso da cannabis para fins medicinais e/ou recreativos, com previsão de atingir US$ 55 bilhões em 20263.

Em outro relatório elaborado pela Whitney Economics, também uma consultoria especializada, o mercado da cannabis no Estados Unidos emprega atualmente cerca de 321 mil pessoas, 77 mil a mais que o ano de 20203.

No Brasil, segundo pesquisa realizada pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados no ano 2016, o Brasil poderia arrecadar até R$ 5,6 bilhões em tributos num cenário de legalização irrestrita de cannabis apenas com o uso recreativo. No mesmo estudo, os autores apontam que haveria uma economia anual com os presos por tráfico de cannabis na ordem de quase R$ 1 bilhão, considerando todo o aparato estatal envolvido3.

Possibilidades de geração de riquezas no Mercado Brasileiro

Existem muitas expectativas para ampliar e acelerar o mercado. Vejamos algumas:

Ø  Autorizar a plantação da cannabis em território nacional (dotadas de segurança absoluta para impedir extravio e desvios) para fins medicinais, o que certamente traria inúmeros benefícios aos país, como o desenvolvimento do agronegócio e toda sua cadeia de suprimentos;

Ø  Novos estudos científicos e novas tecnologias de medicamentos pela indústria;

Ø  Aumento da produção nacional e redução dos preços finais aos consumidores;

Ø  Arrecadação de tributos e geração de empregos;

Ø  Redução de custos e ampliação de tratamento médico aos inúmeros pacientes que hoje necessitam da cannabis.

Ø  Possibilidade de exportação de produtos acabados, devido à expertise brasileira na produção de medicamentos e à adequada base regulatória.

Ø  Ampliação para outras classes de produto, como cosméticos, alimentos, medicamentos veterinários, papel, roupas, entre outros.

Comercialização

O mercado da cannabis medicinal está atingindo novos horizontes, expandindo os tipos de tratamento, sendo um deles específico para pets, afinal, existem diversas condições médicas que acometem os bichos de estimação.

Além do mercado farmacêutico humano e veterinário, de extrema importância para a saúde, em outros países como Canadá e EUA a diversidade de produtos é grande, alcançando também as áreas de cosméticos, suplementos alimentares, alimentos, produtos para saúde e vestuário.

Com isso, ampliam-se as possibilidades de utilização da Cannabis.

De acordo com o Guia SECHAT6 o total movimentado pelo mercado na América Latina e Caribe em 2020 foi de 168 milhões de dólares em termos de CBD. As projeções de crescimento desse segmento são atualizadas com muita velocidade, e a cada novo estudo os dados se tornam mais animadores.

A Prohibition Partners estima um mercado global de cannabis legal de 103,9 bilhões de dólares até 2024. Na análise, a América Latina aparece em quarto lugar no ranking de maiores mercados mundiais potenciais, com uma participação de 8,76%6.

 

A participação dos territórios é projetada da seguinte forma:

Europa, com 39,1 bilhões de dólares;

América do Norte e Canadá, com 37,9 bilhões de dólares;

Ásia, com 12,5 bilhões de dólares;

América Latina, com 9,1 bilhões de dólares;

Oceania, com 2,7 bilhões de dólares, e

África, com 2,6 bilhões de dólares.

 

Ainda na mesma projeção global, agora em termos de percentual de aplicação por segmento, o mercado medicinal ficaria com a maior fatia de participação, com 60,35% das vendas, o que representaria 62,7 bilhões de dólares. O segmento de uso adulto da cannabis ficaria com 39,65% do mercado, o que representaria 41,2 bilhões de dólares.

 

Segundo relatório da SECHAT6, a New Frontier12 estima que até 2023 o mercado de cannabis medicinal no Brasil atinja o valor de R$ 4,7 bilhões.

 

Atualmente, os Estados Unidos são líderes absolutos no faturamento no mercado global legal da cannabis. Segundo a consultoria especializada BDSA, em 2020, o país norte-americano ficou com 82,16% do volume mundial do faturamento, atingindo vendas de 17,5 bilhões de dólares.

Projeções indicam que o setor emprega cerca de 340 mil pessoas que se dedicam

à produção, transporte e comercialização. Somente em impostos, o governo arrecadou

cerca de 5 bilhões de dólares em 2019.

O Canadá, ainda segundo a BDSA, que apresentou crescimento de 61% no mercado legal de cannabis em 2020, ficou com 12,2% do faturamento global, registrando 2,6 bilhões de dólares em vendas6.

O restante do mundo ficou com apenas 5,16% de participação, vendendo apenas 1,1 bilhão de dólares. Em cinco anos, essa participação pode chegar a 8,8 bilhões de dólares6.

 

6-     Sistema Endocanabinoide

Vamos falar um pouco da ação da Cannabis e sua interação bioquímica com os receptores no nosso organismo. Os canabinoides são substâncias orgânicas que se ligam a receptores biológicos e promovem a ação, ativando-os, para exercerem diferentes funções. Eles dividem-se em 3 grupos:

a-      Canabinoides naturais – fitocanabinoides da Cannabis sativa e Cannabis indica

Ex.: THC, CBD, CBG, Canabinol

b- Canabinoides endógenos- endocanabinoides

Ex.: Anandamida e 2- AG

c- Canabinoides sintéticos

               Ex.: Nabilone, Dronabinol

O SEC – Sistema endocanabinoide - foi descoberto em 1988. Sabemos que existem receptores espalhados pelo organismo todo e há uma produção endógena de canabinoides – os endocanabinoides. Estão envolvidos em diferentes processos fisiológicos, como um sistema modulador e que garante a homeostase do organismo, ou seja, seu equilíbrio entre as diferentes funções metabólicas dos órgãos e sistemas (cardiovascular, respiratório, digestivo, circulatório, sanguíneo, entre outros.

O SEC se compõe de:

Ligantes

Endocanabinoides (Endógenos): N-aracdonoil etanolamina (Anandamida, AEA) e 2-aracdonoil glicerol (2-AG).

Naturais: THC, CBD, CBG, Canabinol

Sintéticos: Nabilone, Dronabinol

Receptores CB1 e CB2

Os receptores, de acordo com a ordem de descoberta, foram classificados em CB1 e CB2: enquanto o primeiro é responsável pela maior parte dos efeitos psicotrópicos – além de serem o de maior abundância no Sistema Nervoso Central (SNC) – os receptores CB2 tem sua expressão majoritária no sistema imunológico, na micróglia e em condições patológicas como a dor crônica16.

Enzimas – São os transportadores. Possuem duas atividades principais.

Síntese: NAPE-PDL, DAGLα  e Degradação: FAAH, MAGL

Cannabis é apenas uma das formas de estimular esse sistema. Uma dieta rica em linhaça, chia, ovos, nozes, cacau, chás, bem como atividade física, meditação, acupuntura também possuem o mesmo benefício.

O CB1 predomina no Sistema Nervoso Central e no Sistema Nervoso Periférico: euforia, analgesia, apetite.

O CB2 predomina no sistema imune: anti-inflamatório e imunomodulador.

Os compostos ativos encontrados nas plantas do gênero Cannabis podem influenciar uma ampla gama de processos biológicos, envolvendo receptores acoplados à proteína G (GPCRs) do sistema endocanabinóide (Figura 2). Este sistema também inclui as enzimas envolvidas na síntese de endocanabinóides, transportadores que permitem a captação / liberação celular e enzimas que iniciam a degradação endocanabinóide. Partes deste sistema estão presentes em praticamente todos os tipos de células do corpo humano, situando-as para influenciar processos fisiológicos variados17.

 

Fig. 2 – Visão geral do SEC - Sistema Endocanabinoide.

 O mecanismo de ação dos canabinóides está se tornando mais conhecido com a compreensão da ação e distribuição dos receptores canabinóides CB1 e CB2 (Figura 3). Os receptores CB1, como dito antes, predominam no cérebro, porém, também se manifestam no baço, pulmão, timo, coração e sistema vascular. No SNC, eles são mais altamente expressos pelos axônios e terminais pré-sinápticos de neurônios na amígdala, hipocampo, córtex, gânglios da base e cerebelo. Eles estão fortemente associados com neurônios GABAérgicos (inibitórios) e glutaérgicos (excitatórios), onde mediam a inibição da liberação contínua de neurotransmissores inibitórios e excitatórios17.

 

 Fig. 3 – Distribuição do CB1 e CB2 e suas funções associadas.

A modulação do receptor canabinoide está envolvida na cognição, memória, ansiedade, controle do apetite, comportamento motor, respostas sensoriais, autonômicas e neuroendócrinas, respostas imunes e efeitos inflamatórios, bem como lesão hepática e carcinoma hepatocelular. A regulação farmacológica do CB1 tem sido proposta como uma estratégia terapêutica promissora para dor, inflamação, obesidade, distúrbios neurodegenerativos e câncer. Enquanto isso, o CB2 tem sido explorado como um alvo terapêutico para moduladores imunológicos, controle da dor, osteoporose e tratamento de doenças hepáticas17.

 

7-     Aplicações em tratamentos atualmente

Na doença de Parkinson e Alzheimer

Parkinson e Alzheimer apresentam algum tipo de patologia neurodegenerativa progressiva. Possui alterações no plexo entérico, bulbo olfatório, nervo vago, na substância negra do cérebro e alterações corticais.

É um declínio cognitivo que interfere em funções como:

Prejuízos na memória - Anormalidades na linguagem - Disfunção executiva - Prejuízo na atenção - Anormalidades na cognição social.

São identificados como sintomas não motores: alterações cognitivas, urinárias, distúrbios do sono, fadiga, dor, etc.

E sintomas motores:  tremor, rigidez, bradicinesia, instabilidade postural.

O uso de THC, em função da maioria dos receptores estarem no cérebro, produz melhora na depressão e fadiga, reduz a dor, diminui tremor, diminui a inflamação dos nervos, e reduz a agitação e agressividade.

Já o CBD além de melhorar a ansiedade, memória e sono e possui tem efeito anticonvulsivante. Por esta razão THC e CBD estão se mostrando úteis no tratamento destas duas enfermidades.

Crianças

O uso em crianças como terapia para doenças refratárias aos medicamentos tradicionais, como a epilepsia, a paralisia cerebral e o autismo é muito bem aceito e são a maioria. Porém, ainda existem as doenças genéticas, ansiedade e hiperatividade.  A proporção THC:CBD é importante para indicar e prescrever o produto CORRETO nas doenças e nas dosagens corretas.

Adultos 

Várias indicações tem sido propostas para doenças como Ansiedade, depressão, insônia, autismo, bipolaridade, doença inflamatória intestinal, burn out,  fibromialgia, glaucoma, artrite artrose, doenças reumatológicas, doenças autoimunes, dores crônicas e neuropáticas, enxaqueca, endometriose e Huntington.

 Idosos

Como já explicado acima, no Alzheimer e no Parkinson, doenças neurodegenerativas, pacientes sob cuidados paliativos, câncer (em tratamento quimioterápico ou não). O THC ativa receptor CB1 e CB2 no cérebro, por isso é eficaz em doenças do SNC.

Interação medicamentosa

Atenção deve ser dada com o uso concomitante de outros fármacos sintéticos tradicionais, pois as Enzimas citocromo p-450 estão envolvidas em 80% do metabolismo de todos os fármacos. Essa competição pode causar efeitos adversos.

Hiperêmese por canabinoides causam vômitos e náuseas são correntes. São comuns episódios graves de vômito.  O CBD de inibe CYP2C que metaboliza muitos fármacos antiepilépticos, benzodiazepínicos, fitocanabinoides, anti-inflamatórios e varfarina.

Dose mais assertiva e menor, causa menos efeitos colaterais e menos interações medicamentosas.

O CDB tem mais interação. O THC tem menos interação.

             Câncer

A Cannabis pode ser utilizada para melhorar a neuropatia induzida pela quimioterapia, para melhorar o humor e a dor em pacientes terminais com dor forte que estão no fim da vida. Existem, também, evidências pré-clínicas de que o uso da Cannabis (THC ou CBD ou ambos) exercem efeito antitumoral em alguns tipos de câncer, inibindo metástases, reduzindo e inibindo a criação de casos sanguíneos (angiogênese) que alimentam o tumor, sem efeito tóxico para as células sadias, mas não existem estudos conclusivos. Por outro lado, aumenta o apetite, induz o sono, melhora a dor, reduz náusea e vômitos causados pela Quimioterapia e ajuda na depressão, humor e ansiedade.

Cuidados paliativos

Usados em doenças que sabidamente são de difícil tratamento, que talvez não curem, mas que exerce um papel de conforto e alívio. Como por exemplo na dor crônica oncológica e não oncológica. Na esclerose múltipla e lesão medular. Em Náuseas vômitos induzidos por Quimioterapia e Radioterapia. Em Neuropatia periférica induzida por Quimioterapia (NPIQ). No Sono (quando a dor interfere na qualidade do sono). Nas Doenças neuro vegetativas, apetite anorexia, humor ansiedade depressão, assim como nas doenças terminais.

8-      Usos e concentrações permitidas

A definição do teor dos produtos à base de cannabis estão dispostos na RDC nº 327/201913 e seu artigo 4º diz:

Os produtos de Cannabis contendo como ativos exclusivamente derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis sativa, devem possuir predominantemente, canabidiol (CBD) e não mais que 0,2% de tetrahidrocanabinol (THC).

Estes produtos poderão conter teor de THC acima de 0,2%, desde que sejam destinados a cuidados paliativos exclusivamente para pacientes sem outras alternativas terapêuticas e em situações clínicas irreversíveis ou terminais.

 Conforme o Artigo 10, os produtos de Cannabis estão autorizados apenas por via oral ou nasal, com qualidade farmacêutica para uso humano, sem adição de substâncias isoladas, sintéticas ou semissintéticas. Além disso, os produtos de Cannabis não podem conter substâncias que sejam potencialmente tóxicas nas dosagens utilizadas e não podem ser de liberação modificada, nano tecnológicos e peguilhados.

Formas Farmacêuticas

Fora do Brasil, outras formas farmacêuticas estão disponíveis, além do óleo oral ou spray nasal. Formas para uso sublingual, pomada, colírios, óvulos vaginais, supositório, vaporizador, spray bucal e balas comestíveis.

 

9-      Fabricação e controle: o que é permitido e o que é vedado

Fabricação

O artigo 10, parágrafo 5º da RDC nº 327/2019, proíbe que produtos para fins não medicinais sejam produzidos: cosméticos, produtos fumígeros, produtos para a saúde ou alimentos à base de Cannabis spp. e seus derivados13.

O processo de fabricação não é complexo. Já é conhecido para os fitoterápicos tradicionais.

Conforme já mencionamos, o Brasil tem uma grande oportunidade para aumentar o número de empregos, aumentar a arrecadação de impostos, exportar produtos manufaturados e criar riqueza.  Para tanto, deveria adotar uma legislação que permita o plantio controlado da planta (hoje proibido) e que permita a extração do óleo de Cannabis para a produção. Sabemos que a produção é permitida desde que se importe o extrato, o fitofármaco ou o produto acabado. Tudo isso encarece o produto para o consumidor e o país deixaria de sair suas divisas quando, de fato, poderia estar recebendo divisas.

     Plantio

O processo começa com a perfeita seleção de sementes e seu aperfeiçoamento genético ao longo do tempo, para que possa ser obtida uma planta mais resistente e que produza mais.

O adequado plantio em área que receba quantidade de Sol e água, em solo sem contaminantes metálicos e agrotóxicos e colheita das flores na época certa, com rastreabilidade do tipo de planta, para possibilitar localizar isso no lote das flores e do produto. Essa rastreabilidade é importante para manter o histórico e conhecer a qualidade da planta.

Posteriormente deve-se fazer a secagem das flores e sua correta armazenagem, identificando o lote e o rastreamento do plantio a que pertence, bem como data de colheita e peso da embalagem. Aqui começa a primeira fase do processo, onde essa droga vegetal vai gerar o extrato. Por isso a identificação de lote e data é crucial para manter a rastreabilidade.

Extração

O processo produtivo começa, em realidade com a extração do óleo das flores de Cannabis. É um processo relativamente simples, semelhante aos processos de obtenção de extratos vegetais de outras plantas.

A extração utiliza as flores, pois elas contêm a maior quantidade de canabinoides. Veja a lista a seguir:

Frutos: 9 a 13%

Folhas:  1 a 2%

Talos: 0,1 a 0,3%

Raízes: <0,03%

Diversos são os métodos de extração disponíveis. Desde os mais antigos e domésticos até os mais modernos, usando técnicas sofisticadas.

Maceração, Percolação, Infusão, Decocção, Digestão.

Com Solvente Orgânico, Extração por decocção, Extração com CO², Extração por meio da Destilação usando SOXHLET, Destilação, Extração por micro-ondas e extração por ultrassom são as mais conhecidas.18

 Vamos relatar aqui o processo de Extração com Solvente Orgânico usando álcool etílico.

Os equipamentos básicos de produção compõem-se de um extrator, onde a droga vegetal é mergulhada em um solvente por determinado tempo e sob agitação e um rotavapor, para eliminação do solvente e obtenção do extrato. O líquido resultante da evaporação e aquecimento é o extrato final, também chamado de óleo de Cannabis.  Nesta fase pode ocorrer a descarboxilação dos canabinoides, na qual são convertidos de formas ácidas para formas descarboxiladas (por ex.: CBD-A C22H30O4      CBD C21H30O2), por meio da ação da luz e temperatura, principalmente.

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Fig. 4 – Rota de descarboxilação par aos diferentes fitocanabinoide

Obrigatoriamente, como controle em processo farmacêutico, o extrato obtido deve ser padronizado, determinando-se as concentrações de THC e CBD.

Não estamos considerando aqui a obtenção de outros canabinoides, que possuem ações também importantes no sistema endocanabinoide, como canabigerol (CBG), canabinol (CBN), canabicromeno (CBC) e olivetol.

 Produção e Envase

Para a produção do produto final, normalmente se utiliza equipamento de mistura de aço inoxidável com camisa de aquecimento e resfriamento para proceder à fabricação, na qual o extrato é disperso em um veículo oleoso ou agente emulsificante de uso farmacêutico e um agente estabilizante da solução.  A filtração pode ser utilizada. Temperatura e tempos de mistura devem ser fixados e registrados em Instrução de Fabricação ou equivalente.

Todos os aspectos de controle em processo, bem como os demais, relativos às Boas Práticas de Fabricação devem ser obedecidos: validação de processo produtivo, validação de limpeza, validação de metodologias analíticas, qualificação de equipamentos e instrumentos, entre outros.

A padronização do extrato é requisito de Boas Práticas Farmacêuticas e exigência Regulatória para atingir a concentração desejada do produto final. O produto final deve ser dosado novamente para garantir que cada mililitro contenha a dosagem necessária do produto.

 Terminada esta etapa, procede-se ao envase, principalmente em frascos de vidro âmbar e conta gotas de vidro ou gotejador embutido no frasco, tampa com lacre e rótulo. Cartucho com lacre de segurança é desejável.

O produto final é encaminhado ao almoxarifado para armazenagem e despacho, quando solicitado. O acesso deve ser restrito, com controle biométrico, senhas ou formulário manual.

Por tratar-se de produto controlado pela Portaria nº 344/1998 e suas atualizações10, é necessário controlar o estoque através de inventários cíclicos rotativos (entradas, saídas, perdas, amostras) desde o início:

1-     Quantidade da droga vegetal obtida na colheita (flores) em peso;

2-     Quantidade de extrato obtido em relação à quantidade de droga vegetal (flores) utilizada;

3-     Quantidade de extrato usado na manipulação do produto final;

4-     Quantidade de produto final envasado obtido.

5-     Quantidade de produtos vendidos.

As análises de controle de qualidade para flores, extrato e produto final seguem a FB- Farmacopeia Brasileira ou outra farmacopeia aprovada pela ANVISA, caso a FB não disponha dos testes. Adicionalmente devem ser observadas as resoluções da ANVISA - RDC nº 26, de 13 de maio de 2014, que dispõe sobre registro de medicamentos fitoterápicos e o registro e a notificação de produtos tradicionais fitoterápicos e RDC nº 24, de 14 de junho de 2011, que dispõe sobre o registro de medicamentos específicos.

 Controle de Qualidade da Droga Vegetal (flores)

No caso da Cannabis, o termo Droga vegetal refere-se às flores, nas quais originarão o extrato que, por sua vez, originará o produto final. Processos mais refinados levam à obtenção do princípio ativo isolado, pureza quase 100%, chamado de fitofármaco ou IFAV – insumo farmacêutico ativo fitoterápico.

Todas as fases do processo de obtenção da Droga vegetal, do Derivado Vegetal e do Produto acabado necessitam de controle de qualidade com as devidas especificações, capacitação de equipes e controles.

 Vamos iniciar pela Droga Vegetal, que segundo Subseção I da Resolução RDC nº 26, de 13 de maio de 2014, em seu artigo 13, diz:  

 “Deve ser apresentado laudo de análise da droga vegetal, indicando o método utilizado, especificação e resultados obtidos para um lote dos ensaios abaixo descritos.......”.

e) determinação de metais pesados;

f) determinação de resíduos de agrotóxicos e afins;

h) determinação de contaminantes microbiológicos;

i) determinação de micotoxinas, ......

...........................................

Além destes, outros testes importantes são listados para o registro do fitoterápico.

 Para análise rotineira das flores, a Farmacopeia Alemã - DAB 20184 - preconiza que os  parâmetros de testes para a droga vegetal (flores) são: Aparência, Matéria Estranha, Tenuidade, Propriedades Microscópicas, TLC, Contaminação microbiológica, Aflatoxinas, Pesticidas, Metais Pesados, Perda por secagem, Ensaio e Substâncias Relacionadas.

Controle de Qualidade do Derivado Vegetal (extrato)

Os testes de rotina da produção sugeridos ao extrato, mas não se limitando a eles, são:  

 Aparência, Cor, Odor, Identificação de CBD e THC por HPLC, Teor de CBD e THC por HPLC, Bactérias Totais aeróbias, Fungos Totais, Umidade e Densidade8.

 Tais testes são importantes para garantir a qualidade do extrato que originará o produto final, portanto, a entrada de uma matéria prima adequada, reduzirá eventuais problemas de qualidade no produto acabado.

 O artigo 15 da Resolução RDC nº 26, de 13 de maio de 2014, diz que:

 (...) para registro de fitoterápico, quando a empresa fabricante do fitoterápico utilizar derivados vegetais no seu processo de fabricação, deve ser apresentado laudo de análise, indicando o método utilizado, especificação e resultados obtidos para um lote dos ensaios abaixo descritos, entre outros:

I -  solventes e excipientes utilizados na extração do derivado;

II - relação aproximada droga vegetal: derivado vegetal;

a) determinação de metais pesados;

b) determinação de resíduos de agrotóxicos e afins;

c) determinação de resíduos de solventes (para extratos que não sejam obtidos com etanol e/ou água);

e) determinação de micotoxinas, a ser realizada quando citados, em documentação técnico-científica, a necessidade dessa avaliação ou relatos da contaminação da espécie por micotoxinas;

 Além disso, outros testes complementam a lista disposta nesta resolução mencionada acima.

 Controle de Qualidade do Fitofármaco (Insumo ativo fitoterápico isolado)

Em face da inexistência de Monografia do fitofármaco Canabidiol na FB, utilizamos os mesmos conceitos presentes na Resolução RDC nº 654, de 24 de março de 2022, que dispõe sobre as Boas Práticas de Fabricação de Insumos Farmacêuticos Ativos – Capítulo XIX-

Insumos Farmacêuticos Ativos de Origem Vegetal e a Resolução RDC nº 359, de 27 de março de 2020, que Institui o Dossiê de Insumo Farmacêutico Ativo (DIFA) e a Carta de Adequação de Dossiê de Insumo Farmacêutico Ativo (CADIFA, para registro de Insumos Farmacêuticos Ativos.

 

Art. 11. O Dossiê de Insumo Farmacêutico Ativo (DIFA) deve atender, no que for pertinente, às diretrizes dos seguintes guias do ICH e seus documentos complementares:

I - ICH Q1A - Estudos de Estabilidade de Insumos Farmacêuticos Ativos e Medicamentos;

II - ICH Q1B - Estudos de Estabilidade: Estudos de Fotoestabilidade de Insumos Farmacêuticos Ativos e Medicamentos;

III - ICH Q1D - Agrupamento e Matrização para Estudos de Estabilidade de Insumos Farmacêuticos Ativos e Medicamentos;

IV - ICH Q1E - Avaliação de Resultados de Estabilidade;

V - ICH Q2(R1) - Validação de Procedimentos Analíticos;

VI - ICH Q3A(R2) - Impurezas em Novos Insumos Farmacêuticos Ativos;

VII - ICH Q3C(R6) - Impurezas: Guia para Solventes Residuais;

VIII - ICH Q3D(R1) - Guia para Impurezas Elementares, nos termos do ANEXO I desta Resolução;

IX - ICH Q6A - Testes e Critérios de Aceitação para Novos Insumos Farmacêuticos e Novos Medicamentos: Substâncias Químicas;

X - ICH Q11 - Desenvolvimento e Fabricação de Insumos Farmacêuticos Ativos (Entidades Químicas e Entidades Biotecnológicas/Biológicas); e

XI - ICH M7(R1) - Avaliação e Controle de Impurezas Reativas a DNA (Mutagênicas) em Medicamentos para Limitar Risco Carcinogênico Potencial.

 

Art. 14. Devem ser apresentados Denominação Comum Brasileira (DCB) ou Denominação Comum Internacional (INN), nome químico, número de registro CAS, nome compendial.

 

Art. 15. Devem ser apresentadas fórmula estrutural, com configuração estereoquímica, fórmula molecular e massa molecular relativa.

 

Art. 16. Deve ser apresentada relação de propriedades físico-químicas e outras propriedades relevantes, principalmente aquelas que afetam a eficácia e segurança do medicamento, como solubilidade, pKa, polimorfismo, isomerismo, coeficiente de partição (logP), permeabilidade e higroscopicidade.

 

Art. 18. Deve ser apresentado diagrama da rota de síntese ou processo de obtenção do IFA, a partir da introdução do(s) material(is) de partida.

 

Neste sentido, verificando os testes e informações técnicas solicitados no DIFA/CADIFA, é sensato utilizar, como sugestão, no controle de qualidade de rotina, estes testes:

Determinação do teor,

Identificação do fármaco,

Umidade,

Impurezas e

pH, dentre os mais críticos, devem fazer parte da rotina de análise do fármaco isolado.

 Controle do Produto Acabado

Quando não especificado em Farmacopeia Brasileira ou farmacopeias estrangeiras permitidas, os testes recomendados a serem executados lote a lote, são:

Teor de água (Umidade)

Densidade

Índice de Saponificação (quando usado óleo fixo como excipiente)

Índice de Acidez (quando usado óleo fixo como excipiente)

Metais pesados*

Resíduos de agrotóxicos*

Teor em Canabidiol

Teor em THC

Outros canabinoides

Microbiologia

*Se a empresa controla a entrada das MPs e extrato adequadamente, estes testes podem considerar os resultados da Droga vegetal, com base em Análise de Riscos adequada ao processo como um todo, desde o plantio até a produção.

 

8- Terceirização

Controle de Qualidade

A Empresa Contratante deve qualificar a Empresa Contratada e avaliar a sua competência no atendimento de requisitos de boas práticas laboratoriais por meio de:

 

I – habilitação junto à Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde (REBLAS) para os ensaios contratados;

II - disposições da Resolução RDC n° 11, de 16 de fevereiro de 2012 e suas posteriores atualizações;

III – Certificação de Boas Práticas de Fabricação, quando se tratar de empresa fabricante de medicamentos ou produtos biológicos;

IV – acreditação de acordo com a norma ISO 17025 para os ensaios contratados; ou

V – comprovação do cumprimento das Boas Práticas de Laboratório, conforme diretrizes reconhecidas internacionalmente.  

 A aprovação final para liberação do produto cabe à empresa Contratante, de acordo com os princípios de Boas Práticas de Fabricação e com os requisitos do registro.

Importante notar o que diz o artigo Art. 4° da RDC 268/ 201911:

 

É permitida a contratação parcial ou total dos serviços de terceiros para a realização dos ensaios de controle qualidade para os seguintes medicamentos:

I - dinamizados;

II - específicos, que contenham insumo farmacêutico ativo de origem animal ou vegetal; ou

III - fitoterápicos.

Nosso entendimento é que o controle de qualidade dos produtos de cannabis (um fitoterápico) pode ser realizado em laboratórios terceirizados contratados.

O art. 5° diz:

 

É permitida a contratação parcial ou total dos serviços de terceiros para a realização dos ensaios de controle de qualidade dos demais medicamentos, nas seguintes condições:

I - para os contratos entre empresas fabricantes de medicamentos;

II - para os contratos entre importadoras e fabricantes, somente quando o fabricante do medicamento figurar como a empresa contratada;

III - medicamentos integrantes do componente especializado da assistência farmacêutica com aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde;

IV - medicamentos de risco, conforme Norma de Referência- NR 32 do Ministério do Trabalho que dispõe sobre segurança e saúde no trabalho em serviços de saúde;

V - medicamentos nanotecnológicos ou com sistemas terapêuticos implantáveis;

VI - medicamentos para doenças raras ou negligenciadas; ou

VII - ensaios para a quantificação de impurezas, microbiológicos ou determinação de microestrutura.

Laboratório de Controle da Qualidade e local de armazenamento das importadoras

 O artigo 7º da RDC nº 268/201911 diz: Todas as importadoras devem possuir laboratório de controle de qualidade e local de armazenamento próprios, incluindo local específico para armazenamento de amostras de referência.

Parágrafo único. Além do disposto no caput deste artigo, a empresa deve possuir capacidade técnica e operacional para realizar as atividades necessárias, ou contratar os serviços de terceiros, conforme legislação específica.

 Art. 8º O laboratório próprio da importadora situado em território nacional é responsável pela realização de ensaios completos de controle de qualidade, em conformidade com o registro do medicamento na Anvisa, para cada carga recebida, lote a lote, de todos os medicamentos importados.

 Estes dois artigos devem ser interpretados juntamente com o artigo 4º acima. Fica claro que a empresa pode terceirizar controle de qualidade do produto, em sua totalidade ou parcialmente. Por outro lado, a empresa deve possuir espaço próprio para armazenagem dos produtos e das amostras de retenção.

 

9-     Movimentos Legislativos para regular o uso da Cannabis

O ano de 2022 traça um caminho importante para o Brasil regular o uso da cannabis para fins medicinais, especialmente em virtude do calendário político.

Na ANVISA teremos a revisão da RDC 327/2019, que tem prazo de um novo texto regulatório publicado em dezembro de 2022. A consulta pública deve ser disponibilizada para contribuições em outubro de 2022 e é importante que as contribuições sigam o rigor científico e legal para que a nova Resolução atenda às necessidades reais dos pacientes e do mercado.

Como o assunto interfere com anseios políticos conflitantes, há a possibilidade de haver polarização política durante a revisão da RDC 327/19 e no Congresso Nacional, na discussão sobre o PL nº 399/2015 - Câmara dos Deputados e do PL  5295/19, proposta de iniciativa popular para uso da Cannabis -Senado Federal7.

É importante registrar que no Congresso Nacional estão os Projetos de Leis em discussão: o PL 399/2015,  os PL 7187/2014, PLS 514/2017, PL 5295/2019, PL 4776/2019 e PLS 5158/2019 que de uma ou outra maneira, regulamentam o plantio, o cultivo, comercialização e distribuição da Canabis para fins medicinais7 .

A aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei (PL) nº 399/2015, que passou por uma tramitação especial, propõe alterar o artigo 2º da Lei de Drogas, justamente para viabilizar o plantio, fabricação e a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta cannabis sativa em sua formulação, foi uma vitória importante para os pacientes, entretanto um recurso para leva-lo para ser aprovado no Plenário, paralisou o andamento legislativo desde 20217.

O esforço dos Estados e Municípios, merece especial atenção pois estão buscando, dentro da limitação Constitucional, customizar disposições que atendam às necessidades dos pacientes dos seus territórios, por meio de Leis, Programas ou em iniciativas legislativas locais.

 


Tabela 3 – Resumo do cenário atual sobre as propostas de legislações

O movimento legislativo representa uma grande oportunidade de negócios e de desenvolvimento desse mercado promissor e milionário. A criação de empregos nas diversas fases do processo de produção, distribuição e comercialização é bastante possível, assim como a possibilidade de criar riquezas, via exportação de manufaturados, já que território, clima, regulação aprimorada de BPF para os produtos da área da saúde e uma plataforma produtiva farmacêutica de excelência, colocam o Brasil como um grande player nesta área.

Possíveis avanços na lei e ampliações para outras classes de produtos (cosméticos, produtos para saúde, alimentos, têxteis, suplementos e alimentos) tornarão este mercado muito atraente para empresas de diversos segmentos.

10- Considerações finais

Os importantes e diretos reflexos sociais, determinam que o caminho para o uso da Cannabis para fins medicinais, seja por via do legislativo, regulatória ou judicial, não têm mais volta.

É inegável os diversos benefícios obtidos por pacientes portadores do Transtorno do Espectro Autista, da Epilepsia Refratária, da Doença de Parkinson, de Dores Crônicas e de Insônia sinalizados na literatura. Assim, não há como deixar de reconhecer que essa opção farmacológica, devidamente regulada e validada cientificamente, deve fazer parte do arsenal terapêutico na medicina brasileira.

Regulamentos e normas que impõem a legalidade e os critérios regulatórios são necessários para a gestão do risco que está intimamente relacionada ao estabelecimento das Boas Práticas de Segurança, necessárias para proteção à saúde. A segurança jurídica é um fator preponderante para trazer ao mercado farmacêutico da Cannabis o amparo aos marcos normativos da ANVISA e ao setor regulado. Além disso, disciplina a fabricação, estabelece as bases para o controle de qualidade e os controles adequados de farmacovigilância, tudo no sentido de garantir a segurança do paciente.  Neste contexto, é necessário que seja entendida a indiscutível urgência e a relevância para a concretização, sem preconceitos, da garantia desse Direito aos pacientes.

Referências

1-               ELISALDO ARAÚJO CARLINI. A história da maconha no Brasil. The history of marihuana in Brazil. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jbpsiq/a/xGmGR6mBsCFjVMxtHjdsZpC/?lang=pt.

2-               ONU E A CANNABIS: as mudanças depois da reclassificação. 07/07/2021. Disponível em:  https://thegreenhub.com.br/onu-e-a-cannabis-as-mudancas-depois-da-reclassificacao/.  Acessado em: ago/2022.

3-               PAULO DANIEL CICOLIN. A pauta legal do uso medicinal da cannabis no Brasil em 2022, 6 de outubro de 2021. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-out-06/cicolin-pauta-uso-medicinal-cannabis-brasil-2022. Acessado em: 14/09/2022.

4-               FARMACOPEIA ALEMÃ - DAB 2018. Cannabisblüten Cannabis flos.

5-               FARMACOPEIA ALEMÃ - DAB 2014. Analytical Monograph Cannabis Flos Version 7.1 / November 28, 2014.

6-               GUIA SECHAT: SAÚDE E NEGÓCIOS DA CANNABIS. Edição 1, 2021. Disponível em: www.sechat.com.br. Acessado em 01/09/2022.

7-               AGÊNCIA SENADO. Cannabis medicinal: realidade à espera de regulamentação. Fonte: Nelson Oliveira. Publicado em 6/8/2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/cannabis-medicinal-realidade-a-espera-de-regulamentacao. Acessado em 01/08/2022.

8-               INSTITUTO FEDERAL DE MEDICAMENTOS E DISPOSITIVOS MÉDICOS ESCRITÓRIO DA COMISSÃO DE FARMACOPEIA. Projeto de Monografia de Extrato de Cannabis. RESULTADOS da 62ª reunião do Comitê de Biologia Farmacêutica da Comissão de Farmacopeia Alemã em 27 de setembro de 2019 - Bonn.

9-               BRASIL. ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 234, de 20 de junho de 2018.

Dispõe sobre a terceirização de etapas de produção, de análises de controle de qualidade, de transporte e de armazenamento de medicamentos e produtos biológicos, e dá outras providências.

10-            BRASIL. Ministério da Saúde.  PORTARIA/SVS Nº 344, de 12 de maio de 1998 e suas atualizações. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial.

11-            ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 268, de 25 de fevereiro de 2019. Dispõe sobre alteração da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 234, de 21 de junho de 2018.

12-            NEW FRONTIER DATA. Disponível em: https://newfrontierdata.com/ Acessado em: 01/09/2022.

13-            ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 327, de 9 de dezembro de 2019. Procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação. Estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências.

14-            CARLINI, Elisaldo. Maconha (Cannabis Sativa): da "erva de diabo" a medicamento, ed. Ciência e Cultura. 1980.

15-            ZUARDI, Antonio Waldo. History of Cannabis as a medicine: a review. Revista Brasileira de Psiquiatria, vol. 28, São Paulo, 2005.

16-            Almeida Castro, L. H. SISTEMA ENDOCANABINÓIDE: CONCEITOS, HISTÓRIA E POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS. 2018.  Disponível em: https://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/arquivos/4365. Acessado em 02/01/2023.

17-            Cayman Chemical. Cannabinoid Signaling: Insights to Future Pharmacotherapeutic Development. Article from 2020-09-03. Disponível em: https://www.caymanchem.com/news/cannabinoid-signaling-insights-to-future-pharmacotherapeutic-development. Acessado em 02/01/2023.

18-            ROYAL QUEEN SEEDS. O Melhor Guia para Concentrados de Canábis. Disponível em: https://www.royalqueenseeds.pt/content/205-o-melhor-guia-para-concentrados-de-canabis. Acessado em: 02/01/2023.

19-            CALIXTO, JAIR;  DELGADO FAGUNDES, MARIA JOSÉ. Atualização Regulatória da Cannabis Medicinal no Brasil. Artigo publicado no Linkedin em 06/10/2022.


Jair Calixto

Farmacêutico, especialista em Boas Práticas de Fabricação, mais de 50 anos de experiência no setor farmacêutico. Atualmente é assessor/consultor, palestrante e professor para assuntos ligados às áreas técnicas da Indústria Farmacêutica.