Uma visão holística sobre o descarte de resíduos
de medicamentos domiciliares
Jair
Calixto***
Introdução. Muito se fala e
muito já se falou sobre o descarte de resíduos de medicamentos domiciliares nos
últimos anos. Poderíamos ser repetitivos, detalhando todas as tecnologias,
modelos e métodos já discutidos que podem ser usados na coleta e destinação
destes resíduos, mas é preferível abordar o tema sob a ótica da viabilidade, da
capacidade e da disponibilidade real de infraestrutura nacional, tendo como parâmetro
o panorama brasileiro em relação aos diferentes resíduos sólidos gerados pela
população.
Infraestrutura disponível. Inicialmente é fundamental que analisemos a infraestrutura do país para a recepção, transporte, tratamento e destinação dos resíduos. Sabemos que 60% dos municípios - cerca de 3.300 - (ABETRE, 2013) não possuem aterros sanitários certificados, sendo que a Lei nº 12.305/2010 estabeleceu o prazo de agosto de 2014 para que os lixões e aterros irregulares fossem eliminados, mas isso não ocorreu. Em decorrência disto,temos um grave problema a ser equacionado, que é a inexistência de estrutura até mesmo para o lixo comum.
Outros dados importantes de serem analisados são: o número de aterros Classe I, para resíduos perigosos, e o número de incineradoras disponíveis no país.Dispomos atualmente de cerca de 16 Aterros classificados como Classe I, localizados nos estados do Sul e Sudeste e 23 Incineradoras distribuídas em alguns Estados do Nordeste e Sudeste (ABETRE,2013).
Com
a estrutura atualmente disponível, a logística tem um papel crucial neste
processo, fazendo com que os custos necessários para coletar, transportar e
destinar os resíduos de medicamentos domiciliares inviabilizem economicamente quaisquer
dos modelos propostos.A
análise dos custos, com base em modelos voluntários existentes, mostra que o
transporte é um fator de alto custo, contribuindo com cerca de 70% do total. De
imediato somos levados a refletir sobre a relação custo/benefício de se proceder
à destinação de certos resíduos, transportados por longas distâncias, em que as viagens podem alcançar quase 4.000
km (por exemplo, de Boa Vista – RR até Belém – PA).
Infraestrutura disponível. Inicialmente é fundamental que analisemos a infraestrutura do país para a recepção, transporte, tratamento e destinação dos resíduos. Sabemos que 60% dos municípios - cerca de 3.300 - (ABETRE, 2013) não possuem aterros sanitários certificados, sendo que a Lei nº 12.305/2010 estabeleceu o prazo de agosto de 2014 para que os lixões e aterros irregulares fossem eliminados, mas isso não ocorreu. Em decorrência disto,temos um grave problema a ser equacionado, que é a inexistência de estrutura até mesmo para o lixo comum.
Outros dados importantes de serem analisados são: o número de aterros Classe I, para resíduos perigosos, e o número de incineradoras disponíveis no país.Dispomos atualmente de cerca de 16 Aterros classificados como Classe I, localizados nos estados do Sul e Sudeste e 23 Incineradoras distribuídas em alguns Estados do Nordeste e Sudeste (ABETRE,2013).
Quando
se converte a quantidade de combustível consumida nestas viagens em volume de gás
carbônico produzido, pode-se obter como resultado um m impacto ambiental maior com
a geração de gás carbônico do que com o descarte de resíduos de produtos
inócuos ao ambiente, depositados em aterros sanitários comuns licenciados.
Quantidade de resíduos. Outro
importante ponto de destaque refere-se aos volumes de resíduos produzidos. Todos
os resíduos sólidos (de todos os tipos) gerados em um ano no Brasil atingem 76
milhões de toneladas, conforme dados da Associação Brasileira das Empresas de
Limpeza Pública (ABRELPE, 2013). É bom relembrar que 60% destes 76
milhões simplesmente não são coletados ou são destinados para aterros não
regularizados. Já a geração de resíduos de medicamentos domiciliares, em um
ano, é estimada em 14.260 toneladas (média
de 71,3 g por habitante/ano* x 200.000.000 habitantes). Portanto, o total de
resíduos de medicamentos domiciliares em relação ao total geral de resíduos
sólidos no país em 2013 representou apenas 0,0187% deste total. Em termos
quantitativos, o volume está longe de ser representativo.
*Média obtida através dos dados constantes do Relatório “Logística Reversa para o setor de medicamentos” (ABDI/2013.
Este
dado nos mostra uma informação importante, ou seja, não é necessário
estabelecer um modelo permanente de coleta e destinação, sendo recomendável um
modelo realizado através de campanha anual ou bianual.
Como ferramenta de benchmarking para esta
recomendação, podemos observar o modelo americano, atualmente em
desenvolvimento e já discutido em outros artigos técnicos, chamado “Take Back Day”, que foi instituído em 2010 nos EUA,
como o Dia Nacional da Coleta de Medicamentos Prescritos (National Prescription
Drug Take-Back Day), sob a coordenação da Drug Enforcement Administration (DEA,
2014). Em sua 5ª edição, em 26 de outubro de 2013, foram
recolhidas 371 toneladas de medicamentos impróprios para consumo em 5.800
pontos de coleta localizados em todos os estados e territórios dos EUA. Na soma
das edições foram recebidas 1.733 toneladas.
Classificação
dos resíduos de medicamentos.
A esta informação acima devemos agregar outro dado importante, a baixa periculosidade
dos resíduos de medicamentos: a grande maioria dos resíduos não é perigosa,
sendo perfeitamente viável sua destinação aos aterros sanitários comuns (Classe
II), utilizados para os resíduos sólidos domésticos gerais, devidamente
licenciados e regulados. Para os demais resíduos, classificados como perigosos,
a destinação adequada seria para aterros sanitários Classe I ou a incineração.
É interessante notar que o documento
que atribuiu a viabilidade à logística reversa para resíduos de medicamentos (ABDI, 2013), reitera explicitamente este contexto,
o qual reproduzimos a seguir “Dependendo
de sua composição, os medicamentos podem ser classificados como resíduos classe
I, englobando as substâncias químicas que poderão apresentar risco à saúde
pública ou ao meio ambiente, dependendo de suas características
(inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade). A recomendação de
destinação para esses resíduos é que sejam destinados a aterros para produtos
perigosos classe I. Ou seja, parte
dos medicamentos pode ser classificado como resíduos perigosos classe I.
Justamente por isso, o processo produtivo industrial, assim como a atuação dos
serviços de saúde que lida, entre outros produtos, com medicamentos,
encontram-se já regulamentados pelos órgãos reguladores ambientais.
Mas, mesmo com o baixo risco ambiental
e à saúde, concordamos inteiramente com a tese de que os resíduos de
medicamentos não devem ser dispostos no ambiente de forma irracional.
Redução da geração dos
resíduos. Independente do
modelo de destinação a ser usado, devemos frisar que qualquer um deles possui
vantagens e desvantagens. Os especialistas entendem que pode haver algum
prejuízo ambiental em se utilizar um ou outro.
Os
aterros sanitários, sejam os de classe I ou de classe II, ocupam espaço
importante da área dos municípios e produzem outro tipo de resíduo, conhecido
como chorume**, extremamente tóxico, decorrente da decomposição do lixo.
Por
outro lado, a incineração reduz grandemente o volume dos resíduos e, quando
devidamente organizada e controlada, pode ser transformada em energia elétrica. A
princípio, é uma alternativa muito boa. Resta, porém, controlar efetivamente seus
filtros, pois em presença de falhas, ausência
de manutenção ou de controles efetivos, pode contaminar o ar com diversos
materiais particulados e substâncias com certo grau de toxicidade.
Então,
não existe um modelo ou mecanismo ideal? O consenso entre os ambientalistas de
todo o planeta é que a atuação mais indicada para os órgãos ambientais, cujos
resultados podem ser mais efetivos e menos traumáticos para o meio ambiente, é adotar
medidas que reduzam o volume de resíduos, diminuindo sua geração e trabalhando
pela reciclagem e reaproveitamento, quando possível. Neste sentido, a
informação, o debate e a educação da sociedade desempenham papel preponderante.
Do
ponto de vista sanitário, a reciclagem de medicamentos é proibida pelos órgãos
sanitários. Adicionalmente, a questão técnica também é um impeditivo à
reciclagem, na maioria dos casos, dada a complexidade dos processos envolvidos.
Contudo, o estabelecimento de estruturas para a reciclagem de determinadas
embalagens de medicamentos é ferramenta valiosa para a redução dos resíduos,
contribuindo para diminuir o volume a ser encaminhado à destinação ambiental.
Conclusões. Do
exposto acima pode-se extrair soluções adequadas para a realidade brasileira. A
análise destes dados e informações torna possível relacionar as premissas mais importantes
que norteiem o descarte de resíduos de medicamentos domiciliares no Brasil, a
médio e longo prazo.
Primeira:
começar pela base, educando a sociedade para a redução dos resíduos. Mesmo
porque, os resíduos sólidos mais comuns (domésticos), em sua maioria, ainda não
são destinados adequadamente.
Segunda:
estabelecimento, pelo Poder Público, de estratégias de reciclagem de embalagens,
para recuperar materiais, diminuir o volume de resíduos e reduzir o sacrifício
ambiental na destinação. A reciclagem, neste caso, somente alcançaria as
embalagens passíveis de serem recicladas, em virtude de suas características
particulares e técnicas.
Terceira: em
função do baixo volume dos resíduos, adotar o modelo de campanhas
anuais/bianuais, em vez de um esquema
permanente, de custo elevado e estrutura complexa.
Quarta: a inexistência
de risco para a maioria dos fármacos que compõem os medicamentos pressupõe a adoção
de uma lista de classificação de periculosidade dos mesmos e a conseqüente
utilização da estrutura urbana comum para a destinação destes
resíduos.
Assim,
o início deste processo pode-se dar através de uma estratégia de redução e
reciclagem dos resíduos e, gradativamente, implementação de um modelo baseado nos
critérios acima expostos. Pois, como se viu, tanto o volume dos resíduos gerados
como seu impacto não são representativos no contexto geral dos resíduos
sólidos.
Referências
(ABETRE, 2013)
Perfil do Setor de Tratamento de Resíduos – ABETRE, Abril / 2013.
(ABDI,
2013) BRASIL. Logística Reversa para o setor de medicamentos – MDIC/ABDI, 2013.
(ABRELPE,
2013) Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil – ABRELPE, 2013.
(DEA, 2014) National Prescription Drug Take-Back Day. http://www.deadiversion.usdoj.gov/drug_disposal/index.html.
(***) Farmacêutico e Gerente de Boas Práticas e
Auditorias Farmacêuticas do Sindusfarma Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos
no Estado de Estado de São Paulo.
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