sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Aspectos gerais para implantar o PAT

Autores: Heloísa Donzella, José Antonio Martins, Cátia Panizzon Dal Curtivo, Gilberto Coelho, Henry Pizani, Liniker dos Santos Carneiro, Marcos Viero Guterres, Jair Calixto


Apresentação

Historicamente a indústria farmacêutica tem apresentado incessante interesse na busca pela qualidade e excelência na produção de medicamentos com objetivos claros de estabelecer, cada vez melhor, a eficiência dos tratamentos terapêuticos para a população. Neste sentido, é de suma importância considerar o desenvolvimento e aplicação de técnicas analíticas e sistemas de controle que sejam confiáveis para garantir a qualidade durante o ciclo de vida dos produtos mantendo o nível de confiança já estabelecido.

Motivados por este pensamento convidamos você para uma leitura crítica deste introito, que tem o principal objetivo de fomentar questionamentos e discussões sobre a determinação de padrões de qualidade onde todos os envolvidos na cadeia de produção (desde a aquisição da matéria prima até a administração do medicamento ao paciente) conscientizem-se da sua importância para que a eficiência e a eficácia do medicamento sejam mantidas.

Introdução

A busca de um novo conceito de qualidade para a indústria farmacêutica neste momento é apresentada de forma generalizada, onde os objetivos finais, dentro de um contexto mais amplo de implementação, foca a determinação em tempo real, ou próximo a isso, de parâmetros de qualidade dos medicamentos, permitindo intervir no processo durante a fabricação para a manutenção da qualidade no produto final. Diferentemente hoje, nas unidades fabris do Brasil na sua grande maioria, a qualidade é monitorada por amostragem após a finalização da fabricação.

A agência Norte Americana FDA (Food and Drug Administration) ao adotar a  Guia ICH Q8[[1]] que uma abordagem sistemática para o desenvolvimento se inicia com objetivos claramente definidos e enfatiza que o medicamento, e o processo, precisam ser compreendidos desde o início de um projeto contemplando uma sólida base de dados científicos para implementar a gestão de riscos durante o ciclo de vida dos medicamentos. A proposta apresentada recomenda que a construção do conhecimento deve ser realizada, também, durante o desenvolvimento medicamento nas etapas em escala laboratorial procurando estabelecer, desde o início, os parâmetros críticos de processo dentro de uma região operacional e visando a manutenção da qualidade do medicamento quando em rotina de produção industrial. Este espaço operacional é o que se denomina de QbD - Quality by Design (Qualidade por Concepção).

A determinação do QbD tornou-se possível atualmente graças a popularização das ferramentas de análise de dados multivariados permitindo averiguar e manter a qualidade dos produtos farmacêuticos, propiciando otimizar ou desenvolver projetos de implementação e aplicação de técnicas analíticas rápidas como as espectrofotométricas durante várias etapas da produção. A prática nos mostra que processos mais eficientes e eficazes, que garantem a manutenção da qualidade e o desempenho dos produtos farmacêuticos, são o resultado da utilização racional de ferramentas estatísticas e analíticas[[2]].

Este novo olhar sobre a qualidade deixa claro que a utilização da capacidade tecnológica através de sistemas de gestão dará à indústria farmacêutica a capacidade de inovação onde o termo garantia da qualidade será linguagem comum em todo o parque fabril. As vantagens que a junção das políticas regulatórias aos conhecimentos tecnológicos atuais traz à garantia contínua da qualidade do produto farmacêutico, por meio de processos estratégicos, com a capacidade de prevenir ou mitigar riscos são enormes.

A FDA em 2004 [[3]] criou a denominação PAT - Process Analytical Technologies o sistema projetado para analisar e controlar a fabricação através de medições em tempo real, durante o processo fabril, de atributos críticos desde as etapas iniciais de controle das matérias-primas, os intermediários de produção até o produto final. Destaca-se aqui que a compreensão do termo PAT vem da discussão de forma ampla e não restrita, incluindo análise de riscos segundo os aspectos químicos, físicos, físico-químicos, microbiológicos, parâmetros de processo, comportamento estatístico do processo aliado a um forte sistema de gestão de qualidade.
A implantação do PAT em uma linha de produção garantirá que a qualidade do produto final seja sempre constante mesmo que existam variáveis oriundas de diversas fontes. Dessa forma haverá a compreensão e controle do processo de fabricação de um produto farmacêutico, vindo de encontro à premissa que a qualidade não pode ser apenas “testada” no produto final, e deve, sim, estar incorporada no cerne de todo o projeto desde sua concepção.

PAT e a indústria farmacêutica

Menezes et all [[4]] demonstraram que a concepção e o desenvolvimento de processos de fabricação com alto nível de entendimento assegurará consistente qualidade predefinida do início ao fim do processo de fabricação. Estes processos são consistentes com o princípio básico do QbD e reduzem os riscos de problemas com qualidade e seus aspectos regulamentares, melhorando a eficiência do mesmo.

O primeiro benefício obtido na implantação do PAT é a melhor compreensão das relações entre todas as operações unitárias dentro de um fluxograma de produção demonstrado através da manutenção e controle dos parâmetros críticos em suas várias etapas no processo de fabricação. A introdução do PAT [[5]] têm, na maioria dos casos, a premissa de ajudar a compreender as operações unitárias na fabricação com a coleta de dados realizada em tempo real, diretamente no equipamento produtivo, durante a fabricação. Cogdill, et al [[6]] esclarece que com o passar do tempo ocorre a disseminação do conhecimento entre todos os colaboradores da área de produção e os gestores conscientizam-se que os conjuntos de dados adquiridos podem ser utilizados na otimização da fabricação do produto e não somente na etapa onde foi implantado. Percebe-se então o efeito benéfico da implantação do PAT sempre que houver a introdução de controle de atributos de qualidade para as várias operações unitárias e a determinação do QbD pode iniciar-se, por exemplo, pela etapa de secagem, implantando o gerenciamento e a coleta de dados aumentando a percepção sobre como a melhora de um processo fabril pode reduzir o tempo de produção, e, portanto, minimizar os custos sem afetar a qualidade do medicamento.

Algumas pessoas afirmam que não há vantagens em realizar alterações em sistemas já estabelecidos, pois haverá perdas por conta dos custos associados durante a determinação do  QbD até a implantação do PAT, mas a literatura [[7]] demonstra que as consequências da implementação do PAT suplantam os supostos prejuízos e alguns dos saldos positivos já relatados na literatura [[8] [9]] são: i) redução dos tempos de ciclo de fabricação, gerando ganho de escala produtiva, aumentando os índices de eficiência global dos equipamentos de produção; ii) aumento na prevenção a rejeições como reprocessamento e refugos; iii) possibilidade de liberação em tempo real, desde que atendidos todos os parâmetros de qualidade, Boas Práticas de Fabricação e processo; iv) melhora na ergonomia pela crescente automação e aumento na segurança do operador permitindo reduzir os erros humanos; v) permite o gerenciamento em tempo real da variabilidade do processo produtivo.

Atualmente a indústria farmacêutica brasileira admite o sistema de qualidade pelo princípio da inspeção final de cada lote de produção com o objetivo de avaliar as especificações descritas no registro do produto. Os processos de fabricação, considerando esse princípio, frequentemente não são robustos e tão pouco eficientes gerando cenários de desperdícios e aumento de custos de produção onde os lotes ou são descartados ou reprocessados quando as especificações não são alcançadas. Considerando as dimensões do Brasil e suas condições ambientais diversas, as propriedades dos materiais de partida estão sujeitas a variações e estas nem sempre poderão ser compensadas por um processo de produção que usa parâmetros fixos e inflexíveis, por essa razão se verifica junto aos órgãos reguladores grande número de pedidos de alterações pós-registro.

Por onde começar o QbD?

O primeiro passo é conhecer o processo produtivo de forma mais aprofundada para ampliar o domínio de controle, para tanto métodos de análise qualitativos e quantitativos precisam ser desenvolvidos com a capacidade descrever os atributos de qualidade do produto e suas relações com as especificações dos materiais de partida e os parâmetros de processo, ou seja, determinar o QbD.

O conhecimento adquirido pela aplicação do QbD será utilizado no desenvolvimento de um processo de fabricação mais robusto, contendo um sistema que governa e monitora em tempo real os parâmetros de processo para controlar as características e propriedades dos materiais associados aos atributos críticos de qualidade do produto acabado determinados previamente no início do projeto [[10]].

Aplicar QbD significa projetar e desenvolver formulações e processos para assegurar uma qualidade definida na concepção do produto. O QbD apresenta um conjunto de elementos que representam as etapas do projeto desde o início do desenvolvimento do produto.

O primeiro documento que deve ser elaborado é o perfil do produto-alvo (PPA) que deverá descrever o programa de desenvolvimento do produto farmacêutico de forma clara e objetiva indicando as características desejadas e predefinidas. O PPA consiste de um documento dinâmico onde informações relevantes são adicionadas ou revistas ao longo de todo o desenvolvimento do produto e conecta essas atividades com as especificações necessárias para a obtenção do registro do produto farmacêutico. A organização do PPA segue os mesmos tópicos apresentados na bula de registro e deve conter dados de farmacologia clínica, indicações de uso, cuidados, precauções, reações adversas, dosagem, etc. Dessa forma, uma versão genérica de um medicamento, por exemplo, pode seguir o mesmo PPA do medicamento de referência, mas também pode usar uma formulação, um processo de fabricação, um projeto de desenvolvimento diferenciado para o PPA.

O segundo passo é elaborar o perfil de qualidade do produto alvo (PQPA) que é a descrição das características de qualidade que o medicamento deve possuir para que o fármaco tenha o desempenho no organismo humano da forma como foi projetado, reprodutível e de acordo com as especificações descritas na bula do produto farmacêutico. O PQPA é um guia para os formuladores na definição de estratégias de desenvolvimento do produto. O PQPA deve incluir alvos quantitativos para as informações de registro como características físicas da forma farmacêutica, identidade dos constituintes da formulação, conteúdo, uniformidade, pureza, impurezas relacionadas, estabilidade, dissolução, etc.. Para medicamentos genéricos, por exemplo, o PQPA deve incluir alvos de bioequivalência e outras informações podem ser determinadas a partir de dados disponíveis sobre o medicamento de referência na literatura científica, farmacopeias, patentes e outros documentos técnicos. Pode-se afirmar que o espaço de concepção é um elemento do sistema da qualidade que demonstra o melhor conhecimento disponível para um processo de fabricação.

Baseando-se nos documentos definidos e especificados acima, PPA e PQPA, deve ser elaborado o projeto da formulação e a identificação de atributos críticos de qualidade dos materiais e do produto acabado. O passo subsequente é a elaboração do projeto do processo de fabricação, a engenharia de produção propriamente dita, o fluxograma de produção, contendo todas as operações unitárias com os parâmetros de controle especificados e a identificação de atributos críticos de matérias de entrada, e os respectivos intermediários do produto com os parâmetros críticos de processo.

Somente agora, de posse de todas as informações, é que se define o espaço de concepção, documento que descreve a relação entre as variáveis de entrada, representadas pelos atributos críticos de materiais e parâmetros de processo, com os atributos críticos de qualidade do produto, enfim é a identificação da faixa de operação submetida ao processo de validação, dentro da qual a produção pode ser conduzida com o propósito de fabricar um medicamento dentro da especificação. A partir deste momento as operações conduzidas dentro do espaço de concepção não são consideradas alterações de processo, mas operações fora desse espaço são consideradas alterações e para serem feitas precisam de um processo regulatório de alteração pós-registro. O espaço de concepção descrever por meio de um modelo matemático a combinação algébrica entres as variáveis de entrada e as variáveis de saída.

Depois da elaboração do modelo matemático, o chamado espaço de concepção, que regerá este processo é que se elaborará o projeto e desenvolvimento da estratégia de controle, o projeto laboratorial. Somente depois dessa fase laboratorial galênica, onde se adquire os conhecimentos necessários para dominar o processo fabril é que são realizados os testes de aumento da escala e validação do produto. Definidas as escalas de produção industrial que será colocada em rotina estabelece-se o programa de melhoramento contínuo de processos para todo o ciclo de vida do produto. Necessário enfatizar que o conhecimento adquirido durante a análise dos fatores de formulação e processo produtivo, que tem relação com a segurança e eficácia do produto farmacêutico, torna-se um dos pilares de sustentação de um programa de QbD. A principal proposta do QbD para o desenvolvimento e controle farmacêutico é substituir o método intuitivo e de experimentação (tentativas e erros) por um método de desenvolvimento sistematizado, baseado na coleta de dados por meio de experimentos planejados racionalizados (Design of Experiment - DoE) e na proposição e utilização de modelos qualitativos e quantitativos.
O conhecimento existente de um processo deve ser avaliado pela capacidade de: i) explicar analiticamente as fontes de variabilidade do processo, ii) controlar a variabilidade do processo durante a produção e, iii) de fazer predições corretas de atributos críticos de qualidade do produto usando como informação as propriedades dos materiais e os parâmetros de processo dentro do espaço de concepção estabelecido.

A figura 1 abaixo mostra que um espaço de concepção está contido dentro de um espaço de conhecimento maior, que foi investigado nas etapas de desenvolvimento e estudos de aumento de escala do processo. O espaço de conhecimento descreve tanto as interações entre as variáveis de entrada e saída que levam a um produto com a qualidade desejada, como as interações que levam a um produto que não atinge as especificações desejadas. Portanto, o espaço de conhecimento serve para dar suporte ao estabelecimento de um espaço de concepção que é a faixa dentro da qual se tem a garantia da qualidade do produto. A produção é conduzida dentro do espaço de operação estabelecido no desenvolvimento das estratégias de controle.



Figura 1. Relação entre o espaço de operação, espaço de concepção e espaço conhecido.


Modelos utilizados no QbD

Os modelos são representações matemáticas que são utilizadas para vários propósitos nas diferentes etapas de desenvolvimento e produção de um produto farmacêutico, inclusive para identificar um espaço de concepção. Vários modelos podem ser considerados: i) os mecanísticos, derivados dos princípios básicos das leis físicas como equações de balanço de massas e energia, ii) os empíricos, obtidos de dados coletados em experimentos planejados preferencialmente ou iii) os semi-empíricos, obtidos da combinação das metodologias “i” e “ii”.

O programa de QbD fundamenta-se nos modelos descritos acima uma vez que eles demonstram o conhecimento disponível e devem ser classificados de acordo com categorias que identificam o uso pretendido. A seguir alguns tipos de modelos são elencados.

Segundo as características de uso:
a)      Modelos para projeto de processos e formulações: otimização, simulação, definição do espaço de concepção e estudos de aumento de escala.
b)      Modelos para métodos analíticos: calibração multivariada a partir de dados obtidos de diferentes técnicas analíticas.
c)       Modelos para controle estatístico de processos: monitoramento da variabilidade de parâmetros de processo ou atributos dos materiais e respectivos intermediários.
d)      Modelos para controle automático de processos: sistemas de controle automático que manipulam variáveis de controle para manter o processo dentro da condição de operação desejada.

Segundo o risco associado:
a)      Modelos de impacto pequeno: dar suporte ao desenvolvimento de formulações e processos.
b)      Modelos de impacto médio: assegurar a garantia de qualidade do produto.
c)       Modelos de impacto alto: considerados indicadores significativos da qualidade do produto, aqui estão os modelos utilizados em ensaios analíticos, e os que substituem um teste analítico.

A utilização de modelos é essencial na elaboração no QbD, contudo é importante ressaltar que a construção do conhecimento é um processo dinâmico e guiado por métodos estruturados, e não pode desprezar a intuição e o conhecimento prático que é característico da atividade humana, portanto é essencial que o conhecimento intuitivo, a análise empírica, o conhecimento tácito, seja incorporado por meio das avaliações de risco objetivando mensurar o grau importância dos atributos críticos de materiais, processos e produtos.


Ferramentas utilizadas no QbD

Historicamente, a definição analítica do processo corresponde à análise química ou física dos materiais de partida ou intermediários que são utilizados na fabricação de um produto e diversas formas de amostragem foram sendo desenvolvidas ao longo do tempo por conta da evolução das técnicas de amostragem e as tecnologias analíticas de processo. O termo in line [[11]] é utilizado para a mensuração quando a amostra não é retirada do processo e pode ser invasiva ou não invasiva, já em processos on line [[12]] a mensuração é realizada em amostras que são retiradas do processo, mas que podem retornar a ele.

O escopo clássico de um método analítico tradicional de processo refere-se apenas à complementação das atividades de controle, empregando método que diretamente mensure atributos físicos ou químicos de amostras. Mais recentemente [[13]], a definição de método analítico de processo incorporou todos os aspectos que influenciam a qualidade e a eficiência do processo produtivo farmacêutico. Tal definição passou a abranger o desenvolvimento de processos de maneira a identificar os atributos críticos do processo e sua relação com a qualidade do final do produto. Características adicionais dos métodos analíticos podem ser incorporadas com o objetivo de determinar a robustez do processo, considerando suas etapas críticas e mais sensíveis. Dessa forma, é possível implementar um sistema de gerenciamento consistente visando o processamento dos dados gerados [[14]].

Em especial, na indústria farmacêutica, a definição de análise de processo refere-se à PAT. Tal abordagem tem sido proposta tendo em vista a otimização das informações relativas aos métodos clássicos visando melhorar o processo de controle. As vantagens da análise de processo em relação à análise laboratorial, referem-se, principalmente à velocidade da análise, permitindo a resposta em tempo real e a modificação do atual sistema de amostragem, o manual, com ganho em segurança, redução de erros do analista e a capacidade de manter a integridade do material analisado.

A tecnologia por espectrofotometria no infravermelho próximo (Near Infrared – NIR), por exemplo, pode ser considerada valiosa ferramenta no desenvolvimento de novos produtos e manutenção de portfolio das empresas, desde que a qualidade não seja testada no final do processo de fabricação, mas construída no momento do seu desenvolvimento ou implementada do decorrer do ciclo de vida do produto. Na última década, tem sido relatado um número crescente de aplicações no monitoramento de processo fabril farmacêutico [[15]] e de reações químicas na produção farmoquímica e no controle de qualidade de produtos farmacêuticos empregando a espectrofotometria no NIR [[16]].

Diversos autores [[17]] tem apresentado o PAT como uma inovação empregada na caracterização de formas farmacêuticas sólidas e demonstram o interesse da FDA em facilitar a introdução e a propagação dessa tecnologia nas indústrias farmacêuticas, por conseguinte a validação de processos de produção são significativamente influenciadas por essa tecnologia.

Em atendimento aos padrões de qualidade cada vez mais exigentes, nos últimos anos foi implantado controle rigoroso no recebimento de matérias-primas e de processos de produção por meio de análises dos intermediários de produção e no produto final. Para se controlar cada etapa do processo produtivo é necessário elevado número de análises. As metodologias convencionais, que envolvem o pré-tratamento da amostra, podem induzir a erros, além de estar sujeito a maioria dos desvios durante o processo e consumir quantidades significativas de reagentes e solventes [13].

Desde o primeiro registro de um espectro de absorção fora da região do visível (400 a 700nm), ocorrido no ano de 1800, houve muitos avanços nas tecnologias de coleta de espectro na faixa do infravermelho. Entre as técnicas emergentes relativas ao PAT, a espectrofotometria no NIR foi a primeira a ser adotada pela indústria farmacêutica. Porém, os químicos analíticos fizeram pouco uso destas técnicas até a década de 1950. A partir da década de 1960, as aplicações de técnicas analíticas no NIR têm crescido de maneira acelerada,[14] graças, principalmente, ao avanço da Quimiometria particularmente a calibração multivariada de dados químicos.

Os avanços recentes dessa Ciência, a Quimiometria, necessária para conduzir a análise dos dados, associados aos instrumentos analíticos, capazes de coletar os espectros de forma muito rápida e confiável, permite que amostras simples ou complexas, como as misturas, possam ser analisadas em intervalo de tempo inferior a 1 minuto. Nesse intervalo, é possível obter quantidade significativa de informação sobre os atributos críticos de um intermediário produtivo ou produto acabado permitindo a redução de custo relativo ao controle do processo em cerca de 80%. A simplicidade e a precisão, combinadas com a velocidade com que os resultados são obtidos, são características da espectrofotometria no NIR que adicionam vantagens quando comparadas às características dos métodos analíticos convencionais como as cromatografias (HPLC, UPLC, CG, etc.) e outras técnicas espectrofotométricas como o UV/VIS [[18]].

As vantagens do NIR na avaliação das etapas de mistura de pós no fluxo de produção têm sido recentemente enfatizadas por diversos autores [11-17] e nesse sentido essa técnica tem sido proposta para substituir o método de rotina utilizado para comprovar a uniformidade de lotes produzidos em escala comercial. Além disso, o método é não-destrutivo [8,11-20], livre de reagentes, apresenta menor dependência de operador, sensível, rápido, preciso e exato, o que possibilita obter um entendimento mais apropriado das características de qualidade dos intermediários de produção dos produtos e seus respectivos atributos, principalmente das formas sólidas, pelo uso de técnicas de análise multivariada - calibração multivariada [[19]].

A baixa absortividade molar das bandas no NIR permite medir amostras sólidas com pouco ou nenhum preparo de amostras, evitando, assim, a propagação de erros analíticos por conta de procedimentos longos e complexos, usualmente presentes nos protocolos de análise convencional. As informações obtidas pela aplicação da técnica NIR permitem, além da identificação de amostras desconhecidas (identificar matérias primas durante o recebimento)[20], também a determinação de diversas outras propriedades de interesse dos materiais de partida. Entre as demais propriedades, destacam-se a quantificação dos ingredientes farmacêuticos ativos, a determinação da proporção entre a composição de polimorfos, a distribuição de tamanho de partícula, a umidade, a homogeneidade, entre outras.

Análise de risco

As técnicas de inspeções em sistema da qualidade foram estabelecidas em 1997. A partir de 2000 iniciaram-se a aplicação do PAT e da gestão da análise de risco. A harmonização dessas novas abordagens na avaliação de processos farmacêuticos foi efetuada pelos guias ICH Q8 [[21]], ICH Q9[[22]] e ICH Q10[[23]].
O termo risco é definido como a combinação entre a probabilidade de ocorrência de determinada falha do processo, multiplicada a sua severidade e a sua viabilidade de detecção[[24]]. No caso da indústria farmacêutica, o gerenciamento de risco de qualidade deve considerar, prioritariamente, em sua abordagem, o paciente. Assim, a análise de risco consiste na identificação dos potenciais perigos decorrentes de falhas do processo, assim como na exposição de pacientes a esses perigos [[25]]. O gerenciamento de riscos é um processo sistemático de avaliação, controle, comunicação e revisão dos riscos para a qualidade dos produtos dentro do seu ciclo de vida [23].

Para estabelecer e manter o produto sob controle é necessário desenvolver sistemas eficazes de acompanhamento e controle e a gestão de riscos de falha da qualidade pode ser útil na identificação desse sistema de monitoramento e controle. O gerenciamento do risco da qualidade, segundo o guia da ICH Q9 [23], deve ser efetuado por meio de ferramentas que determinem o risco e permitam sua avaliação e seu controle. Dessa forma, esse gerenciamento colabora para a correta identificação, controle, correção e prevenção de desvios de qualidade que podem afetar a segurança e a eficácia dos produtos farmacêuticos de forma geral principalmente os medicamentos.

A utilização da análise de riscos de falha como ferramenta da qualidade propõe a avaliação eficaz dos pontos centrais e limites dos processos de fabricação e pontos críticos de controle[[26]]. Nesse sentido, busca-se eliminar ou minimizar os riscos de falhas em todas as etapas produtivas.

Escolha do sistema de gestão

Um sistema de gerenciamento de banco de dados (SGBD) não é nada mais do que um conjunto de programas que permitem armazenar, modificar e extrair informações de um banco de dados. Como há vários tipos de sistema de gestão, deve-se fazer uma escolha por um tipo que seja adequado à empresa. São três os componentes que integram um SGBD:           i) linguagem de definição de dados, ii) linguagem de manipulação de dados e iii) o dicionário de dados [[27]].

Uma das ações esperadas quando se utiliza as ferramentas PAT em um processo é o acesso às informações obtidas, assim sendo é primordial que os indivíduos envolvidos tenham o conhecimento do impacto de suas ações no processo fabril. A disponibilização destas informações deve ser clara para permitir a participação de cada colaborador envolvido no processo, assim sendo a escolha do SGBD deve ser coerente com o volume e o sigilo das informações a ser disponibilizada em cada etapa do processo de produção para cada grupo de colaboradores. Outro fator a ser analisado é a interface homem-máquina para cada uma das etapas, que devem ser de fácil visualização e boa compreensão para todos os envolvidos no sistema. Todas as pessoas, desde o recebimento da matéria prima até a alta direção da empresa, têm que ter a mesma facilidade de acessar e analisar os dados que lhes forem disponibilizados.


Conclusão

O sistema de gestão da qualidade aplicado pelas indústrias farmacêuticas, com parque fabril atualmente instalado no Brasil, precisa ser repensado. O “pensar”, neste sentido, leva obrigatoriamente a estudar a possibilidade de implementação de sistemas mais avançados, que possam, acima de tudo, garantir a qualidade dos produtos, mas que estejam dentro de uma estratégia de manutenção e renovação do portfolio de produtos das empresas. O introito descrito nestas poucas páginas teve por objetivo destacar a importância do assunto considerando que a implementação pode ser realizada dentro de uma expectativa que possa atender as necessidades das empresas. Esta implementação também considera a introdução de processos de controle mais seguros, robustos e que tenham a capacidade de minimizar os riscos sanitários inerentes ao processo de produção de medicamentos. A elaboração de uma estratégia de implementação deve seguir, obrigatoriamente, os requisitos preconizados nas atuais normas da ANVISA para a obtenção e renovação de registros dos produtos farmacêuticos, mas que ao mesmo tempo considere uma análise global, segundo os aspectos de risco sanitário para a população, econômico para a empresa e segurança para a agência reguladora. A publicação da resolução – RDC Nº 60, de 10 de outubro de 2014, dá um passo na direção de maior regulação nos estágios de desenvolvimento dos produtos, já que está de acordo com a implantação de um sistema de garantia mais avançado, conforme sumariamente descrito neste artigo.







[1] Guidance for Industry - ICH, Pharmaceutical Development, Revision 2, 2009.
[2] Barret et al - A review or the use of Process Analytical Technology for the Understanding and Optimization of Production batch crystallization processes.
[3] Guidance for Industry PAT — A Framework for Innovative Pharmaceutical Development, Manufacturing, and Quality Assurance
[4] Menezes, et al, Tecnologia analítica de processo (PAT, process analytical technology) - aplicações na indústria farmacêutica e petroquímica.
[5] Mei-Ling Chen, et all -Challenges and Opportunities in Establishing Scientific and Regulatory Standards for Assuring Therapeutic Equivalence of Modified Release Products: Workshop Summary Report
[6] Cogdill, et al, Pharmaceutical Manufacturing Handbook: Regulations and Quality
[7] Lawrence X. Yu, Pharmaceutical Quality by Design: product and processes development, understanding and control.
[8] Kourti, Theodora, Process Analytical Technology Beyond Real-time analyzers: The role of mutivariate analysis.
[9] Gajardo & Reis Neto: O relacionamento entre o BSC e a gestão de projetos.
[10] Tese de doutorado - Marcos Viero Guterres, “Análise multivariada em N-modos: metodologias para o monitoramento de reações químicas”.

[11] Peinado; Hammond; Scott, J Pharm Biomed Anal. 2011 Jan 5;54(1):13-20. doi: 10.1016/j.jpba.2010.07.036. Epub 2010 Aug 6., “Development, validation and transfer of a near infrared method to determine in-line the end point of a fluidised drying process for commercial production batches of an approved oral solid dose pharmaceutical product.”
[12] Sulub et al, 2009, Journal of Pharmaceutical and Biomedical Analysis 55 (2011) 429–434, “Blend uniformity end-point determination using near-infrared spectroscopy and multivariate calibration.”
[13] Guenard; Thurau; 2005. “Process Analytical Technology Spectroscopic Tools and Implementation Strategies for the Chemical and Pharmaceutical Industries” – “Chapter 2 - Implementation of Process Analytical Technologies”
[14] Ritchie, Gary, “Proceedings of the International Symposium, Cannes, 3-4 May 2004 © Council of Europe “A perspective and overview of Process Analytical Technology (PAT)”.
[15] Roggo, Y., Chalus, P., Maurer, L., Lema-Martinez, C., Edmond, A., Jent, N., 2007. A review of near infrared spectroscopy and chemometrics in pharmaceutical technologies. J. Pharm. Biomed. Anal., 44, 683 – 700.
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[20] Blanco et al., 2000, Process Analytical Technology Spectroscopic Tools and Implementation Strategies for the Chemical and Pharmaceutical Industries “Use of Near-Infrared Spectroscopy for Off-Line Measurements in the Pharmaceutical Industry.”
[21] Guidance for Industry - ICH, Pharmaceutical Development, Revision 2, 2009.
[22] International Conference on Harmonisation of technical requirements for registration of pharmaceuticals for human use. ICH - Harmonised tripartite guideline. quality risk management. Q9, 2005.
[23] Guidance for industry Q10 pharmaceutical quality system - ICH, pharmaceutical development, 2009.
[24] Hamid Mollah, Harold Baseman, Mike Long John Wiley & Sons, 01/02/2013 - 416 páginas
[25] Peter Morris, Jeffrey K. Pinto, John Wiley & Sons, 23/09/2010 - 360 páginas.
[26] Moretto LD, Calixto J., “Diretrizes para o gerenciamento de riscos nos processos da indústria farmacêutica. São Paulo: SINDUSFARMA; 2011. v. 13.”
[27] Gouveia, R. M. M., Dissertação de mestrado – “Mineração de dados em data warehouse para sistema de abastecimento de água”, João Pessoa-PB, 2009.

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