sexta-feira, 8 de junho de 2012


A importância dos excipientes para a Qualidade dos produtos farmacêuticos

Introdução
A qualidade dos produtos farmacêuticos tem alcançado níveis elevados nos últimos anos. Contribuíram para isso, os últimos avanços nas técnicas de análise dos fármacos e produtos, os equipamentos e suas inovações tecnológicas, a implementação de controles no processo, a melhoria da qualidade dos fornecedores, os importantes avanços das normativas regulatórias, nos quais a ANVISA está inserida, entre outros elementos.
Apesar da melhoria na qualidade e do conhecimento técnico-científico exercidos sobre os Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs), nota-se que não existem normas específicas de Boas Práticas de Fabricação para os excipientes utilizados nos produtos farmacêuticos.
Com o avanço do conhecimento científico sobre os processos farmacêuticos, cada vez mais torna-se necessário ampliar o conhecimento sobre produtos e processos, desde o desenvolvimento farmacotécnico e, neste contexto, os excipientes estão sendo mais e mais inseridos e avaliados como tendo importância e impacto na qualidade semelhantes aos IFAs.

Excipientes: Passado

Embora sempre tenham sido consideradas substâncias inertes em uma formulação farmacêutica, os excipientes possuem um papel relevante no desempenho dos medicamentos.  Os motivos pelos quais aos excipientes tenha sido atribuída uma importância relativa, explica-se através de alguns destes elementos:
  • Denotava-se importância relativa aos IFAs (APIs) e quase nenhuma aos excipientes.
  • Poucos critérios de qualidade para os estudos de estabilidade.
  • Pouca tecnologia aplicada às análises de Controle de Qualidade, entre outros.
Fase de transição

Paulatinamente o conhecimento científico passou a interferir na percepção da qualidade dos excipientes e sua relação com a qualidade do medicamento. Porém, não foi um fato isolado, mas o conjunto da evolução técnico-regulatória com a tecnologia e o conhecimento científico que propiciaram o início do entendimento sobre as necessidades de se aplicar conhecimentos científicos e controles sobre os excipientes.
Neste sentido, os processos, as normas, os equipamentos e técnicas continuaram a evoluir, possibilitando que também os excipientes pudessem se beneficiar das tecnologias disponíveis. Os seguintes elementos podem ser considerados dentro deste painel de transição entre passado e presente:
ü   Maior ênfase na qualidade do produto farmacêutico e de seus insumos.
ü   Investigação de desvios de qualidade de produto e avaliação da interferência dos excipientes como fato causador.
ü   Rigor regulatório.
ü   Melhoria tecnológica na identificação e análise, ou seja, mais equipamentos.
ü   Melhores e mais consistentes conhecimento sobre estabilidade.
ü   Maior conhecimento sobre insumos farmacêuticos ativos, entre os mais importantes.


Importância dos excipientes na atualidade.

Os excipientes podem atuar como elementos carreadores dos IFAs, facilitadores da absorção, modificadores do sabor, facilitadores da deglutição, permitir a aplicação da unidade posológica, entre os mais importantes.
Normalmente os excipientes de uma formulação são planejados para não interagir no organismo provocando efeitos farmacológicos ou apresentando efeitos adversos. Quando não bem estudados e avaliados no desenvolvimento do produto, podem interagir com o IFA (fármaco), com outros excipientes e com a embalagem provocando eventos não esperados durante o processamento e armazenagem.

Entre os principais problemas potenciais em produtos farmacêuticos, que podem ter atuação ou interferência dos excipientes, podemos citar:
Biodisponibilidade do fármaco;
Produtos de degradação;
Impurezas;
Falhas e desvios de qualidade do produto;
Perfil de dissolução do produto.

Neste sentido, a Qualidade dos Excipientes no âmbito da qualidade do processo e do produto e, ainda, conforme as normas atuais, se relaciona e impacta com:
ü   Os estudos de estabilidade.
ü   A Biodisponibilidade e Equivalência farmacêutica.
ü   Os Estudos de Pré-Formulação.
ü    Impurezas e produtos de degradação.
ü   A Caracterização dos Fármacos e Excipientes.
ü   A imprescindível  Qualificação dos Fornecedores.
ü   A Determinação/avaliação  corretas das Especificações. 
ü   A Determinação dos Atributos Críticos de Qualidade (ACQs).
ü   O Gerenciamento do Risco na Qualidade.

 Portanto, no desenvolvimento do produto farmacêutico, além do estabelecimento do insumo farmacêutico ativo e a definição das etapas criticas do processo, a determinação da qualidade dos excipientes é de fundamental importância para a definição da qualidade do produto final.

 Novos conhecimentos
Nesta nova era do conhecimento, as inovações técnicas acontecem muito rapidamente, estabelecendo parâmetros que antes, ou eram desconhecidos ou não  poderiam ser investigados e determinados devido à inexistência de tecnologia.
Assim, para o formulador, não basta apenas assegurar a qualidade do excipiente através de métodos analíticos e seus resultados. É preciso ter fornecimento de materiais através de fornecedores qualificados e certificados, onde as especificações tenham sido acordadas e profundamente estudadas e os ACQs tenham sido identificados.
Estas características dos excipientes afetam a qualidade, a segurança e a eficácia do produto e a segurança para o paciente, de acordo com figura 1. 



Fig. 1 – Fluxograma demonstrando que a segurança do paciente também se relaciona com especificações de excipientes. Fonte: Jair Calixto.


Importância da Qualificação  de Fornecedores
Apesar de não ser algo novo, a qualificação de fornecedores ganha importância multiplicada em virtude da complexidade das operações das empresas e dos novos fabricantes mundiais de insumos.
A qualificação de fornecedores possibilita às indústrias farmacêuticas conhecerem os insumos presentes em seus processos de fabricação, os fabricantes e os fornecedores, possibilitando a segurança necessária para a aquisição e uso de insumos em seus produtos.
Ressalte-se que o fabricante do produto farmacêutico responde pelo produto final e pelos excipientes e fármacos que coloca em seu produto.  

              Além de servir para confirmar as Especificações e os ACQs anteriormente determinadas, a qualificação de fornecedores de IFAs e excipientes é relevante, também, para prevenir a entrada de materiais incorretos no sistema, conforme a figura 2 abaixo demonstra.

               


Fig. 2 – Gráfico demonstrando a relevância da qualificação de fornecedores. Fonte: Jair Calixto

A importância dos Atributos críticos de Qualidade (ACQs)
Ao se determinar as especificações dos excipientes, deve-se estabelecer os ACQs.  ACQs são propriedades físicas, químicas, biológicas ou microbiológicas ou características que deveriam ter um limite de controle apropriado, faixas ou distribuição para assegurar a qualidade desejada do produto. ACQs são, geralmente, associados com substâncias ativas, excipientes, intermediários e produtos finais.
Exemplos de ACQs para substâncias ativas ou intermediários: distribuição e tamanho de partículas, pH, porosidade, tipo de cristal, entre outros. Quando não determinados e controlados, podem interferir e afetar a continuidade do processo ou influenciar  diretamente no desempenho e na qualidade do medicamento.
ACQs dos produtos incluem as propriedades que concedem a qualidade, segurança e eficácia desejadas. Para sólidos orais são aqueles aspectos que afetam a pureza do produto, a potência, a estabilidade e a liberação do fármaco. ACQs para outros sistemas de liberação podem, adicionalmente, incluir aspectos específicos do produto, tais como propriedades aerodinâmicas para produtos inalados, esterilidade para parenterais e força adesiva para os patches transdérmicos.


A importância da Pré-formulação
A pré-formulação é uma triagem, uma prévia do estudo de estabilidade, onde a aplicação de testes multivariados com o fármaco e os excipientes em condições ambientais de estresse pode identificar eventuais incompatibilidades.
Então, o estudo de Pré-formulação estabelece uma matriz de alguns testes prévios entre os excipientes prováveis e entre o fármaco e os excipientes prováveis, para verificar a estabilidade das misturas, a degradação, a compatibilidade dos excipientes. Os testes prévios são submetidos a condições de ambientais controladas e os resultados das interações verificados. As condições dos testes podem ser: temperatura, umidade, oxigênio, metais, luz, pH.

Assim, um rigoroso estudo de pré-formulação e o estabelecimento adequado e controle das especificações dos excipientes levam à prevenção de problemas futuros, eliminando-se possíveis interações e reações de excipientes com insumos ativos e embalagens e minimização de problemas de qualidade do produto farmacêutico.

 Caracterização dos Fármacos e Excipientes

A caracterização de fármacos e excipientes é uma abordagem nova, que utiliza alta tecnologia para a determinação de parâmetros científicos que até o momento não têm sido controlados na rotina dos laboratórios de controle de qualidade das indústrias farmacêuticas. Para muitos fármaco e excipientes, certos atributos podem causar forte impacto sobre a qualidade do processo farmacêutico e do produto.

Apesar de nem todas estas tecnologias  serem absolutamente novas, as mais novas ainda estão em desenvolvimento, mas face às complexidades e necessidades técnicas, tenderão a se tornar rotineiras na qualificação dos excipientes e fármacos. 

Conclusões
Com os novos conhecimentos e o avanço da tecnologia direcionada para os processos farmacêuticos, observa-se a necessidade de aquisição de excipientes bem conhecidos e com suas propriedades de qualidade definidas e controladas pelo fabricante. Por outro lado, o fabricante do medicamento também deve determinar suas próprias necessidades relativas a especificações físicas, químicas e microbiológicas para os fármacos e excipientes utilizados em seus produtos, de modo que possa controlar a qualidade do produto final.
Assim os elementos e conceitos mais relevantes no desenvolvimento de produtos, no âmbito dos excipientes farmacêuticos são:
Ø  Qualificação de Fornecedores.
Ø  Estudos de Pré-formulação.
Ø  Caracterização dos Fármacos e Excipientes.
Ø  ACQs e Especificações.
Estes elementos, quando bem gerenciados e monitorados pela empresa, conduzem-na a obter produtos farmacêuticos com alto grau de qualidade e com riscos potenciais diminuídos.

Bibliografia:

(1)  Botet, Jordi. Sistema de Calidad Farmacéutica Del Siglo XXI. S.Paulo:Editora RCN, 2008.

(2)  International Conference on Harmonisation of Technical Requirements for Registration of Pharmaceuticals for Human use ICH Harmonised Tripartite Guideline. ICH Q8 (R2) – Pharmaceutical Development. ICH, Step 4 version, 2009.  .

(3)  U.S. Department of Health and Human Services - Food and Drug Administration, Center for Drug Evaluation and Research (CDER), Center for Biologics Evaluation and
Research (CBER).  ICH Q9 – Guidance for Industry - Quality Risk Management. Rockville, MD: FDA, June 2006.

(4)  International Conference on Harmonisation of Technical Requirements for Registration of Pharmaceuticals for Human Use - ICH Harmonised Tripartite Guideline. ICH Q10 – Pharmaceutical Quality System. ICH. Step 4 version,june 2008.
D. Moretto
(5)  Moretto, LD; Calixto, J.  Estrutura do Novo Sistema da Qualidade para a Indústria Farmacêutica. São Paulo: Finazzi Propaganda, volume 5, 2009.

(6)  Moretto, LD; Calixto, J. Guias IPEC Excipientes - Boas Práticas de Fabricação - Boas Práticas de Distribuição. São Paulo: Finazzi Propaganda, volume 7, 2009.


Jair Calixto
Farmacêutico Bioquímico graduado em 1985 pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, graduado em 1992 em Administração Industrial pela Fundação Vanzolini – Poli USP e em 2004 em Master Business Administration  pela FGV. Atualmente é Gerente de Boas Práticas e Auditorias Farmacêuticas no SINDUSFARMA - Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo, onde é responsável por coordenar grupos de trabalho sobre Consultas Públicas da área técnico-regulatória, workshops técnicos, a elaboração de livros técnicos e a coordenação do Prêmio Sindusfarma de Qualidade Analítica e do Prêmio Sindusfarma de Qualidade de Fornecedores da Indústria.


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